Monday, July 20, 2020

NESSES VELHOS SEPULCROS





"Surge a luz da alvorada. Pudessem
Dessas campas geladas que vejo 
Os bons monges dos tempos antigos
Surgir vivos à voz de um desejo!

E que ao longo das vastas arcadas
Se escutassem seus passos serenos, 
Como se ouve o tranquilo regato
Sussurrar nestes campos amenos!

Quem então não curvara ante o velho?
Quem a bênção da mão descarnada, 
Como a bênção do céu, não pedira
Da virtude ao poder confiada?

Quem ousara soltar no deserto
Estridente clangor da trombeta, 
E fazer cintilar pela noite
A cruel decisiva baioneta?

Quem ousara o sorriso do insulto
Junto ao negro edifício soltar, 
E com gozo, na mente, por terra
Suas grimpas jazendo pintar?

Mas há muito que os bons se finaram; 
Mas há muito que às dores fugiram.
E depois, nesses velhos sepulcros
Quantos maus inquietos dormiram!

Quem o sabe? Quais foram? Seus nomes
Pereceram: ninguém o dirá.
O que o sabe os julgou: e do abismo
Nem um ai o cantor tirará."


Alexandre Herculano, Poesias, Lisboa: Círculo de Leitores, 1987, p. 189. 

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