Tuesday, March 31, 2009

LITANIAS DE QUARESMA


"Eloi Lama Sabactani -
Senhor Senhor por que me abandonaste?
Olho as lamas revoltas e procuro em vão um sinal
Eloi Lama Sabactani
O Grande Lama o lama dos Andes os sapatos sujos de lama
Eloi Lama Sabactani
Senhor Senhor por que me abandonaste?"


Jorge Sousa Braga, "Boca do Inferno" in O Poeta Nu, Lisboa: Assírio & Alvim, 2007, p. 72.

Sunday, March 29, 2009

DE REGRESSO AOS DEUSES



"De novo aos deuses, aos deuses devastadores que se entredevoram como caranguejos num cesto.
É apaixonante constatar que quanto mais antigo é um culto, mais terrível a imagem que faz dos deuses; e que só podemos compreender os deuses pelo seu lado terrível.
É que os deuses só valem pelo Génesis, pela batalha no caos.
Na matéria não há deuses. No equilíbrio não há deuses. Os deuses nascem da separação das forças e morrem da sua reunião.
Quanto mais próximos da criação, mais o seu aspecto é tremendo, mais as suas figuras correspondem às forças que contêm.
Platão fala da natureza dos deuses, identifica-os com os princípios, sem por isso nos deixar ver mais claro esses princípios que são forças e essas forças que são deuses."


Antonin Artaud, Heliogabalo ou o Anarquista Coroado, trad. Mário Cesariny, Lisboa: Assírio & Alvim, 1991, p. 60

Friday, March 27, 2009

ESCREVER COMO QUEM MORRE



"escrevo como choro:
para não morrer.
Algures, no momento mais pobre do dia, escrevo para os deuses obscuros do futuro. Porque abre toda a interrogação para um espaço repleto de certezas? Sou o centro de uma geometria circunstancial. Dobro-me sobre a terra para esquecer. Anjos iguais a todos os anjos repetem-me a resposta que rejeito.

quando os pássaros voam, tempos malignos obscurecem uma flor. Se todas as flores escurecessem?"


Rui Nunes, O Mensageiro Diferido. Lisboa: Relógio D'Água, 2004, p. 94.

Sunday, March 22, 2009

MÊS DE STRINDBERG 4


"Por baixo da sua pele mais ou menos peluda existem dois rostos, pelo menos dois. Uma lenda romana diz-nos que não havia beleza exterior comparável à de Jesus Cristo, mas em momentos de cólera era de uma fealdade repelente e bestial."


August Strindberg, Inferno, trad. Aníbal Fernandes. Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 62.

Friday, March 20, 2009

MÊS DE STRINDBERG 3

"De resto, para que servem, nos sepulcros, estas flores? As flores, vivas-mortas que levam uma existência sedentária e não opõem resistência nenhuma a quem as ataca, que preferem sofrer a fazer mal, estimulam os amores carnais, multiplicam-se sem luta e morrem sem queixa. Seres superiores que realizaram o sonho de Buda, pois nada desejam e tudo suportam, absortas em si mesmas, até à pretendida inconsciência.
Será por isto que os sábios indianos imitam a vida passiva da planta, abstendo-se de ter relações com o mundo exterior através de um olhar, um sinal, uma palavra?"


August Strindberg, Inferno, trad. Aníbal Fernandes. Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 62.

Sunday, March 15, 2009

MÊS DE STRINDBERG 2

"Não voltei a acreditar que o segredo do Universo estivesse desvendado, e saí - umas vezes só, outras acompanhado - para reflectir na grande desordem que acabei por achar de infinita coerência. (...)
Aqui tendes o meu Universo, como o criei e a mim se revelou.
Se quiseres seguir-me, ó peregrino, ó transeunte, irás respirar mais livremente, pois no meu Universo reina a desordem e aí mesmo é que a liberdade existe."


August Strindberg, Inferno, trad. Aníbal Fernandes. Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 47.

Saturday, March 7, 2009

MÊS DE STRINDBERG 1

"Quanto a esta árvore, se lhe comerdes o fruto ficareis conscientes do bem e do mal. Sabereis, então, como a vida é um mal e vós não sois deuses; como o Maligno vos cegou e a vossa existência só serve ao riso dos deuses. Comei e tereis o dom da libertação das dores, a alegria da morte!"


August Strindberg, Inferno, trad. Aníbal Fernandes. Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 18.

Friday, March 6, 2009

CINZA FUNÉREA DE POESIA



"Na treva a alma se oculta
enquanto dura a trégua.
Ao longe, na luz, inculta,
a borboleta vem. Cego-a.

Por dentro as sinto,
Alma e borboleta,
o corpo de sangue tinto,
as mãos de tinta preta.

Escondida uma, venérea,
tonta a outra agoniza;
ó vida, cinza funérea
de poesia, de mim campa lisa."


Vasco Graça Moura, "O Voo de Igitur num Copo de Dados", in Obra Poética (1972-1985). Lisboa: Quetzal Editores, 1991, p. 269.

Tuesday, March 3, 2009

DEUSES ANTIGOS 3



"Nesta figura isenta de pecado,
que a obra erecta o significa, isenta
de ocultos mecanismos, tão sem mácula
que alguém se possa aventurar a ver,
um universo vibra de sossego,
imagem cristalina, paraíso
invariável na engrenagem, porque
a construção do método emanou,
sem sobressalto, com rigor imenso
que a inoperância bem ensina, exacta."


Luís Adriano Carlos, Invenção do Problema, 2ª ed. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2006, p. 49.