Friday, May 30, 2008

SICK PROPHECY AND RUMOURS LAME AT HEEL



"O medo é uma almofada sob os pés do amor,
Com cores que são para ele tranquilas;
Vermelho suave e branco tingido de sangue, azul
De flores, verde que se une ao estio,
Doce púrpura prometido ao mar e um negro calcinado.
Todas as formas coloridas do medo, presságio e mudança,
Uma triste profecia de incertos rumores,
Premonições, astrologias e perigosas
Inscrições, o que a memória nos recorda,
Tudo fica encoberto pelo manto do amor,
E, quando ele o sacode, tudo será derrubado,
Agitado e levado no rosto poeirento do ar."



A. C. Swinburne, Rosamond, in Poesias, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 2006, pp. 16-17

Monday, May 26, 2008

AMISSUM NE CREDE DIEM


"- Pára de atormentar o teu espírito com cuidados funestos e com receios injustificados, Prosérpina. Mais poderosos ceptros te serão dados e não casarás com um esposo indigno. Eu sou de Saturno aquele filho a quem obedece a máquina do mundo e que estende o seu poder pelo vazio sem fim. Não dês por perdida a luz do dia. Outros astros temos e outras órbitas. Hás-de ver mais clara luz e admirarás mais o sol dos campos elíseos e os piedosos adoradores. Lá habita uma raça de valor mais elevado, a geração dos homens da Idade de Ouro, e é constantemente nosso o que os do mundo superior só uma vez mereceram. Tão pouco te faltarão os aprazíveis prados. Lá há flores perenes, que para Zéfiros mais suaves exalam o seu perfume, flores que nem o teu Etna faz nascer. Há também uma árvore, na espessura dos bosques, cujos ramos refulgentes se curvam carregados de metal verdejante. A ti esta árvore é atribuída como objecto sagrado. Serás Senhora do Outono opulento e sempre com os seus louros frutos hás-de ser enriquecida. Mas digo pouco! Quanto o límpido ar abarca, quanto a terra nutre, quanto encerram as ondas do mar, quanto os rios levam na corrente, quanto pelos pântanos foi alimentado, todos os animais que se encontram sob o globo lunar, que é o sétimo a rodear os ares e separa os mortais dos astros eternos, se submeterão ao teu poder. A teus pés hão-de vir os reis cobertos de púrpura, posto de lado o luxo e com a multidão dos pobres misturados. A morte tudo nivela. Tu condenarás os que fazem o mal, aos pios darás o descanso. (...)"


Claudiano, O Rapto de Prosérpina, 277-304, trad. Luís Cerqueira, Lisboa: Ed. Inquérito, s/dt, pp. 79-81.

Thursday, May 22, 2008

REFLEXÕES A PARTIR DAS ÁGUAS 1




"Há mais verdades do que erros, mais boas qualidades do que más, mais prazeres do que penas. Gostamos de dominar o carácter. Elevamo-nos acima da nossa espécie. Enriquecemo-nos com a consideração com que a cumulámos. Julgamos não poder separar o nosso interesse do da humanidade, não maldizer do género humano sem nos consumarmos a nós mesmos. Esta vaidade ridícula encheu os livros de hinos em louvor da natureza. O homem caiu em desgraça para aqueles que pensam. Quem o carrega de menos vícios? Quando não esteve ele quase a reerguer-se, a conseguir a reconstituição das suas virtudes?
Nada está dito. Ainda chegamos muito cedo, depois de haver homens há mais de sete mil anos. No que diz respeito aos costumes, como em tudo o resto, o menos bom é arrancado. Nós, os hábeis de entre os modernos, temos a vantagem de trabalhar depois dos antigos.
Somos susceptíveis de amizade, de justiça, de compaixão, de razão. Ó meus amigos! que é então a ausência de virtude?
Enquanto os meus amigos não morrerem, não falarei de morte."


Isidore Ducasse (Conde de Lautréamont), Poesias - Prefácio a um livro futuro, in Os Cantos de Maldoror seguidos de Poesias, trad. Pedro Tamen. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, pp. 277-278)

Tuesday, May 20, 2008

ONDE SE LÊ ROSA LEIA-SE MAIA


"múltipla esta chama
cuja flor brilha no cimo
do caule espinhoso:
incêndio vegetal. pedra
aérea que o jardim
mantém erguida, jovem e
forte. silva
exasperada será,
contra o ar, em guerra
aberta."


Manuel Gusmão, dois sóis, a rosa - a arquitectura do mundo, 2ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 105.

Tuesday, May 13, 2008

ENCANTATÓRIA (em memória de Irene Vilar)


"Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.

Custa é saber
como se emenda a morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria."


Luiza Neto Jorge, A Lume, in Poesia, org. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 240.

Sunday, May 11, 2008

LUZES VESPERTINAS ENCERRANDO AS SOMBRAS


"Que aurora! Que luz anterior à luz! Luz que não é luz ainda, mas uma sombra que alumia; luz de milagre, anunciando o nascimento de um Deus; uma luz sentimental, de íntima origem, matutina; luz que lembra um misterioso olhar infinito, num sorriso de transparência azul e sem fim... Esta luz prodigiosa da manhã, ou a luz desta manhã prodigiosa, dava ao grande panorama, já planetário, uma transfigurada aparência, dum colorido imaterial, em que vemos, durante os sonhos, certas vistas de céu e de montanha."


Teixeira de Pascoaes, A Beira (num relâmpago) / Duplo Passeio, Lisboa: Assírio & Alvim, 1994, p. 35.

Wednesday, May 7, 2008

A JÁ EXTINTA FUGA DESOLADA


"Nossa memória sempre foi a memória
dos monstros nosso enigmático testamento
de altas labaredas sempre foi
o caminho
devastado pelo sangue pela circuncisa memória
dos mortos pelo perfil
dos astros - nossa colorida volúpia
sempre foi dos monstros
a mais crua linguagem húmida fuga
desolada
através do tempo através do medo
de não sermos belos de não sabermos
esculpir na cinza o sopro
de tanta luz tão prostituída - "


Casimiro de Brito, Negação da Morte, in Ode & Ceia, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985, p. 209.

Monday, May 5, 2008

ACREDITAR NA MAGIA DOS OLHARES HUMANOS ?



"Este céu que foi contemplado
por aqueles que o hão-de louvar
por toda a eternidade,
vinhateiros e pastores,

ter-se-á ele, pela magia desses olhares humanos,
tornado permanente?
Esse belo céu e o seu vento,
o seu vento azul?

E a serenidade que lhe vem depois,
tão profunda e forte,
como se fosse um deus apaziguado
a entrar no sono?"


Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos, trad. Maria Gabriela Llansol, Lisboa: Relógio d'Água, 1996, pp. 220-221.

Saturday, May 3, 2008

SENTIR A CASA



"Sentir a casa, a luz mais densa. Viver agora este contorno
mais do que o de plantas espesso. Temer o espaço,
então, o rectilíneo; (a memória diz: o útero, o gineceu da flor).
É o solstício no corpo, frigidíssimo som entre folhas,
a memória acorda: nesta hora (visual),
ó porta extinguirmo-nos, rememorar."


Fiama Hasse Pais Brandão, A Era, in Obra Breve, Lisboa: Ed. Teorema, 1991, p. 144.

Friday, May 2, 2008

JUNTO À ABSOLUTA IRREALIDADE 2


"Antístrofe I

Oxalá o destino dos deuses me ofereça, a mim que o peço, uma sorte bem-aventurada e um coração isento de dores. Que a minha percepção da vida não seja falsa nem demasiado exacta: que eu possa gozar a vida, moldando o meu feitio adaptável ao dia de amanhã."


Eurípides, Hipólito, 1115, trad. e notas de Frederico Lourenço, 3ª tiragem, Lisboa: Edições Colibri, 2005, p. 70.