Sunday, April 30, 2023

ANIVERSÁRIO

 




"Voar é fácil

basta que as mãos
estejam leves
e o coração
branco e alado

basta ter mergulhado
na água da brancura


que brota da fonte
da ternura
universal"



Alexandra Soares Rodrigues, (no lugar do título há um vazio), Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2023, p. 133.

Saturday, April 29, 2023

A MESMA JANELA

 



"O teu acordar é antigo e sempre igual.
A mesma janela ao fundo - abertura
imperfeita para o medo, uma selha
de sonhos secos sobre a mesa,
um chão frio onde é sempre Novembro.

Crês que tudo é pior um dia depois,
cada noite um golpe na luz que foste.
Envelheces do lado de dentro, tens
uma idade para além dos anos.

O teu acordar é antigo, sempre igual
e incompleto."


Virgínia do Carmo, A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas, Lisboa: Poética Edições, 2023, p. 46.

Friday, April 28, 2023

MEMENTO

 




"A minha alegria é de vidro. 
Frágil como a pele do nevoeiro, 
Um orvalho efémero sem memória.

É trans.lúcida, a minha alegria, 
átomo cristalino inacabado, 
uma brisa distraída que passou."


Virgínia do Carmo, A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas, Lisboa: Poética Edições, 2023, p. 21. 

Wednesday, April 26, 2023

A VIDA FELIZ

 



"A vida feliz é pois uma vida conforme à sua própria natureza; não podendo ser alcançada, a menos que a alma esteja sã, em posse contínua da saúde, e que seja depois corajosa e enérgica, bela e paciente, adaptada às circunstâncias, cuidadosa do seu corpo e daquilo que lhes diz respeito, sem no entanto ficar inquieta, diligente em relação aos outros meios de embelezar a vida sem admirar nenhum deles, pronta a fazer uso dos presentes da sorte, mas não a sujeitar-se a eles. Compreenderás, mesmo que nada acrescente, que daí resultam a tranquilidade para sempre e a liberdade, pois ficamos livres daquilo que nos agita e assusta. Em vez de prazeres, em vez de alegrias ténues, frágeis e sujeitas a desonra, nasce uma imensa alegria, inabalável e constante; existe então na alma apaziguamento, acordo e grandeza aliada à doçura; pois a crueldade vem sempre da fraqueza."


Séneca, Da Vida Feliz, trad. João Forte, Lisboa: Relógio D' Água, 1994, pp. 44-45. 

Tuesday, April 25, 2023

A REVOLTA


 

"A Superiora - Os santos não se empertigam contra as tentações, não se revoltam contra si próprios, a revolta é sempre coisa do diabo; e sobretudo nunca vos desprezeis! É muito difícil desprezarmo-nos sem ofender Deus dentro de nós. Também devemos neste ponto impedir-nos de tomar à letra certas frases dos santos; o desprezo por nós próprios conduzir-vos-á directamente ao desespero; lembrai-vos destas palavras, apesar de vos parecerem obscuras. E para tudo resumir numa palavra que nunca nos acode aos lábios, apesar de os nossos corações não terem renegado a honra, seja em que conjuntura for, pensai que ela está à guarda de Deus."


Georges Bernanos, Diálogos das Carmelitas, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2019, p. 54. 

Sunday, April 23, 2023

A VIDA HERÓICA

 



"Blanche: Vossa Reverência ordena-me que fale com a maior das franquezas?

A Superiora: Sim.

Blanche: Pois bem, a atracção por uma vida heróica.

A Superiora: A atracção por uma vida heróica ou por uma certa maneira de viver que vos parece capaz - com muita falta de razão - de tornar mais fácil o heroísmo ou, por assim dizer, pô-lo à mão de semear?...

Blanche: Perdoai-me, minha madre reverenda, mas nunca fiz semelhantes cálculos.

A Superiora: Os mais perigosos dos nossos cálculos são aqueles a que chamamos ilusões...

Blanche: Posso ter ilusões. E mais não peço do que me sejam tiradas."


Georges Bernanos, Diálogos das Carmelitas, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2019, p. 37.

Saturday, April 22, 2023

A VIDA

 



"- Fazes-me pena, Mariquinhas... A vida não é, como pensas, essa disciplina dura, austera, que transforma os homens em máquinas de pensar e de sofrer... A vida não é um castigo, um degredo; é infinitamente mais bela, mais simples, infinitamente melhor..."


Fernanda de Castro, Maria da Lua, 5.ª ed., Lisboa: Editorial Verbo, 1984, pp. 95-96.

Friday, April 21, 2023

TECER O CORAÇÃO


 
"Acordar, ser na manhã de abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher no ramos
o vento, a luz, ou o que quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja."


Eugénio de Andrade, "As mãos e os frutos", in Poesia, 2ª ed. revista. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005, p. 28.

Thursday, April 20, 2023

FRUTA

 




"Fora à sobremesa de um almoço igual a todos que, pela primeira vez, haviam sentido oscilar os alicerces da casa. A avó, que até então se conservara lúcida apesar dos seus noventa anos, passara a manhã a divagar, a trocar os nomes, a perguntar por uma prima que morrera havia trinta anos. Nesse dia, à sobremesa, depois de lhe terem servido a geleia, quisera provar um alperche da quinta. Estendera a mão e apalpara, não os frutos, mas as rosas, escolhendo uma, a maior, a mais vermelha. Aterrados, os filhos, a neta, os bisnetos, as criadas, viram-na pôr a rosa no prato, levar à boca uma garfada de pétalas, e não ousaram fazer o gesto, dizer a palavra que a colocaria do outro lado da vida, na antecâmara da morte. Sentiram no mais fundo de si próprios que principiara nesse momento a desagregar-se, a dissolver-se no húmus do tempo, a raiz-mãe que, durante quase um século, alimentara, com a sua robusta seiva, as flores e os frutos de três gerações.
Fora então que Maria da Lua se levantara e lhe dissera com uma voz calma e sem timbre:
- Esse, não, avó, ainda não está maduro.
A avó olhara a rosa desfolhada e concordara:
- Tens razão, a fruta verde faz mal."


Fernanda de Castro, Maria da Lua, 5.ª ed., Lisboa: Editorial Verbo, 1984, p. 30

Wednesday, April 19, 2023

VIAGEM

 




"Xavier detestava todos os versos. Mas agora relembrava alguns, ao mesmo tempo que recordava a voz querida de quem os dizia. Era preciso repeti-los sem omissões, para poder achar as inflexões ou o timbre surdo e monótono da voz do irmão. Por isso, nesta mesma noite, junto duma janela aberta ao lado da ribeira invisível, tal como podia ter encontrado uma nota ou um acorde, Xavier ia recitando versos em tons diferentes:
                                                    «Calma natureza, como tu sabes esquecer!»"


François Mauriac, O Mistério dos Frontenac, trad. Luís Forjaz Trigueiros, Lisboa: Editorial Verbo, 1971, p. 26.

Monday, April 17, 2023

RESTITUIR


 
"Deus deu-me o ser
para que eu lho restitua.
Como uma daquelas provas
que parecem armadilhas
de que falam os contos
e as histórias de iniciação.
Se eu aceitar este dom,
é mau e fatal;
a sua virtude
manifesta-se na recusa.
Deus deixa-me existir
fora dele.
Compete-me recusar
tal autorização.

A humildade,
Rainha das virtudes,
é recusar existir
fora de Deus."


Simone Weil, À porta do farol faz escuro, trad. Manuel Simões, Braga: Editorial A.O., 1991, p. 40.

Sunday, April 16, 2023

A ATENÇÃO

 


"Não é apenas o amor a Deus que tem por substância a atenção. O amor ao próximo, que sabemos ser o mesmo amor, é feito da mesma substância. Os infelizes não precisam de outra coisa neste mundo que de homens capazes de lhes prestarem atenção. A capacidade de prestar atenção a um infeliz é coisa muito rara, muito difícil: é quase um milagre; é um milagre. Quase todos os que crêem ter esta capacidade não a têm. O calor, o ímpeto do coração, a piedade, não são suficientes."


Simone Weil, Espera de Deus, trad. Manuel Maria Barreiros, Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 105. 

Friday, April 14, 2023

ALONGADO


" - Que fazia Jacob, neto  do gram patriarca Abraom, quando viu a escada alçada da terra atá o céu e os anjos que subiam per ela e deciam, e o Senhor Deus encostado à escada? Onde estava entom este muito grande patriarca Jacob? Per ventura estava em algua cidade ou em algua rica câmara? Certo nom, mas era nom tam solamente alongado das cidades, mas ainda alongado de casa, jazendo em um lugar ermo e descoberto e sua cabeça entre as pedras."


Anónimo do século XV, Bosco deleitoso, capt. LXIV, ed. José Adriano de Freitas Carvalho, Luís de Sá Fardilha, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2022, p. 117. 

Thursday, April 13, 2023

DA QUIETAÇÃO



"Dos males, que passei no povoado,
Fugi para esta serra erma e deserta,
Vendo que quem servir seu Deus acerta,
Certo tem tudo o mais ter acertado.

E para mais pureza sou forçado
Mostrar a paciência descoberta,
Que quando o tentador se desconcerta,
O paciente fica concertado.

Passou a furiosa tempestade,
Ouve-se a voz da rola em nossa terra,
Soando com maior suavidade.

Cobriu-se d'alvas flores toda a Serra,
A minha alma de doce saudade,
Em paz me faz amor divina guerra."


Frei Agostinho da Cruz, Poesia Selecta, ed. José Cândido de Oliveira Martins, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2021, p. 68.

Wednesday, April 12, 2023

ERMO



"Mas torno-me falar da vida solitária, que é vida celestrial e angélica em toda guisa, se o estado dela é de dentro, em guisa que o homem entre dentro em no apartamento e em o ermo e em o trespasse, ca as lapas do deserto e os outeiros e os boscos pera todos estam igualmente sem embargo, ca nengum nom aperta os que entram, nem lança fora os que entrarom, ca em no deserto nom há porteiro nem guardador."


Anónimo do século XV, Bosco deleitoso, capt. XLII, ed. José Adriano de Freitas Carvalho, Luís de Sá Fardilha, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2022, p.72.

Tuesday, April 11, 2023

ESCADA

 



"Portanto farei uma escada no coração.
E pelos degraus subirei da minha casa
Até bater com o pensamento no altíssimo.
Apagarei os passos e o cérebro como um rasto no deserto
Sempre atento como a águia quando fixa o sol
Sem pestanejar.
Farei portanto a escada no deserto para fixar
A luz.
Da minha casa subirei sem palavras
Em silêncio, portanto, pisando o coração."



Daniel Faria, Poesia, 2ª ed., ed. Vera Vouga, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 217.

Monday, April 10, 2023

ANIVERSÁRIO

 



"A criança fecha os olhos no muro
Conta o tempo que os amigos demoram
A transformar-se

Fecha os olhos no interior dos números

Olha para dentro e em redor e encontra-se
A si mesma
A criança pergunta se há-de ir ter consigo

Ela quer encontrar os amigos, ela quer
Que lhe respondam. Ela calcula a voz alta
A altura do muro, a progressão do silêncio"


Daniel Faria, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 292. 

Sunday, April 9, 2023

O RESSUSCITADO

 



"Ele não conseguiu completamente
recusar-lhe ou negar-lhe com vigor
que ela de seu amor falasse;
e ela caiu junto à cruz revestida somente
da sua dor, toda cheia do impasse
das maiores pedras do seu amor.

Mas quando ela veio até ao túmulo, então,
para o ungir, de lágrimas a correr,
ele ressuscitara e tinha com ela a ver,
para que mais bem-aventurado dissesse: Não -

Ela só o entendeu onde habitava,
como ele, fortalecido pela própria morte,
por fim recusou o alívio que os óleos dava
e o pressentimento do toque,

para nela formar a que ama
sem para o amado se inclinar,
porque ela, que enormes tempestades vieram arrebatar,
à voz dele se sobrepõe já sem a mesma chama."



Rainer Maria Rilke, Novos Poemas, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Assírio & Alvim, 2023, p. 171.

Saturday, April 8, 2023

DO QUE ESPERA

 



"Que contemplando o fruto, do que espera
Na doce Primavera colhe flores
De tão diversas cores tão formosas.

Que lírios e que rosas de contino
Semeia amor divino nesta serra,
Onde tanto se encerra e se derrama!

Amor acende, infama, amor tem tudo:
Seta, lança, escudo: dá vida e mata,
Cativa, desbarata, solta e prende.

Amor livra e defende, planta e rega;
Amor freta e navega, amor segura;
Amor cria brandura na dureza;

E converte a tristeza em alegria;
A noite escura em dia fresco e claro.
Amor é meu amparo e meu descanso.

Amor é brando e manso, piedoso,
Suave e saudoso, doce e puro,
Forte, firme e seguro, verdadeiro.

Amor pôs num madeiro meu Senhor,
Trespassado de dor, aberto o lado;
De mãos e pés pregado: ai! e quão tarde
Senti de amor que amor por amor arde!"


Frei Agostinho da Cruz, Poesia Selecta, ed. José Cândido de Oliveira Martins, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2021, pp. 131-132.

Friday, April 7, 2023

PRECE

 



"Perdoai-me, Senhor, se vos faltara
Pôr meus olhos em Vós crucificado, 
O menos que de muito tenho errado, 
Noutros erros maiores me lançara. 

Triste quanto perdi, e quanto achara
Ainda assim de culpas carregado, 
Se por onde Vós tendes caminhado
Guia desta alma minha caminhara.

Culpado fui primeiro que nascido;
Enjeitei a razão pela vontade;
Amiga do meu mal, do bem imiga. 

Meus Deus por mim à Cruz oferecido, 
Alembrai-vos da vossa piedade
Tão larga em perdoar, e tão antiga."


Frei Agostinho da Cruz, Poesia Selecta, ed. José Cândido de Oliveira Martins, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2021, p. 50. 

Thursday, April 6, 2023

DUNAMIS MOU

 




"Era meio-dia; e uma escuridão cobria toda a Judeia. E inquietaram-se e angustiaram-se, não fosse o Sol ter-se posto enquanto ele ainda estava vivo. Pois está escrito para eles que o Sol não deve pôr-se sobre um executado.
E um deles disse: «Dai-lhe de beber fel com vinagre.» E, tendo feito a mistura, deram-lhe de beber.
E cumpriram todas as coisas; e tornaram completos os pecados sobre a cabeça deles.
Muitos andavam às voltas com lamparinas, pensando que era noite; e tropeçavam.
E o Senhor clamou, dizendo: «Meu poder, meu poder, deixaste-me!» E, tendo falado, foi recebido [levado para cima].
E, naquela hora, o véu do templo de Jerusalém rasgou-se em dois.
E então arrancaram os pregos das mãos do Senhor, e puseram-no no chão. E toda a terra tremeu e surgiu um medo grande.
Então brilhou o Sol; e percebeu-se que era a hora nona."


"Evangelho de Pedro", in Evangelhos Apócrifos Gregos e Latinos, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Quetzal, 2022, p. 295.

BONFIM

 



"Em ti suave Cruz, posto que dura
Por ver sangue inocente derramado,
Pregado pés e mãos, aberto o lado,
Donde minha esperança se perdura.

Em ti de piedade e de brandura
Doce penhor do penitente errado,
Em ti Cristo Jesus dependurado
A salvação do mundo dependura:

Em ti se consumou toda a crueza,
Que em corações humanos se acendia
Contra todas as leis da natureza.

Mas em ti se tornou, em alegria
Da nossa redenção, toda a tristeza:
Oh Cruz defensão nossa, nossa guia."


Frei Agostinho da Cruz, Poesia Selecta, ed. José Cândido de Oliveira Martins, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2021, p. 48.

Wednesday, April 5, 2023

NOBRE

 



"Por que razão não são atingidos pelo amor verdadeiro outros senão aqueles que têm em si uma nobreza de coração sem mácula?
É porque, como o amor verdadeiro é a principal e mais nobre condição com que Deus ornamentou a alma neste mundo, ele desdenha todo e qualquer lugar vil e indigno. Daqui vem que ele sempre more num coração extremamente nobre e jamais desça a um coração miserável; ele procura sempre, na verdade, corações palpitantes de nobreza e desdenha os corações vis da mesma maneira que os cadáveres putrefactos. Com efeito, como o diz Séneca, «a vida sem um amor verdadeiro, é a morte e sepultura de um homem vivo.»"


Anónimo de Erfurt, Tratado do Amor Verdadeiro - Tratactus de Vero Amore, trad. e ed. Sérgio Guimarães de Sousa e Luciana Braga, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2021, p. 53. 

Monday, April 3, 2023

CREPÚSCULO

 



"Júlia tinha o costume gaglianense de atirar o lixo para o meio da rua. Todos fazem o mesmo e depois os porcos encarregam-se da limpeza. Mas nessa tarde notei que a mulher juntava o lixo num montinho dentro de casa, ao pé da porta. Perguntei-lhe por que motivo o conservava ali; não era certamente por uma questão de limpeza.
- Já é noite - respondeu Júlia - não posso deitá-lo lá para fora. O anjo podia ofender-se.
Explicou-me, admirada de eu não saber:
- Para todas as casas ao crepúsculo, descem do céu três anjos. Um fica à soleira da porta, o outro à mesa e o terceiro à cabeceira da cama. Guardam a casa e defendem-na. Durante toda a noite, nem os lobos nem os espíritos maus podem entrar. Se eu deitasse o lixo pela porta fora, talvez caísse em cima do anjo. Ele não se vê. O anjo ofendia-se e nunca mais voltava. Amanhã, ao nascer do Sol, quando o anjo partir, deito-o fora."


Carlo Levi, Cristo parou em Eboli, trad. Wanda Ruivo, Lisboa: Portugália Editora, 1961, pp. 162-163.

Sunday, April 2, 2023

RAMOS

 


"Mais o solitário, depois que sai fora de sua casa pelo ermo, assenta-se em a primeira sêda de froles que acha e sobe-se em algu outeiro de bô e são ar. E depois que ali está, tanto que nace o sol, começa mui ledo a cantar ou rezar os louvores do Senhor Deus com a sua piedosa boca e, se per ventura acerca dele corre algua água fazendo som pequeno e brando ou alguas aves cantam docemente, porém, canta ele ao Senhor com devotos suspiros mais brandamente, e, primeiramente, roga ao Senhor Deus que ponha em sua língua freio que nom saiba lide nem contenda; e que ponha sobre seus olhos cobrimento, que nom veja as vaidades; e pede pureza do coraçom e afaste dele sandice e desacordo do coraçom e lhe dê austença pera amansar a carne."


Anónimo do século XV, Bosco deleitoso, capt. XIX, ed. José Adriano de Freitas Carvalho, Luís de Sá Fardilha, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2022, p. 36. 

Saturday, April 1, 2023

O JARDIM ENGOLE O BRILHO DO SOL

 



"reluz
a cidade da cor dos leões
o calor explode as palavras
o jardim engole o brilho do sol"


Gustavo Arruda, O Céu de Todas as Cidades, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2000, p. 52.