Thursday, March 31, 2011

A CARIDADE DE MARIA ADELAIDE



"Nunca Maria Adelaide mostrara tanta caridade como agora; não queria que pobre algum que lhe batesse à porta se fosse embora sem esmola, conquanto alguns, observava, não precisassem de pedir pois eram sustentados pela família. E citou o caso de um tio velho, já cego, que tiveram em casa e que sabia uma oração tão linda, meu belo filho, tão linda! A oração dos martírios do Senhor (Dizia isto com a expressão sentida de funda poesia com que eu, por exemplo, então wagnerista fanático, me poderia referir à mais patética passagem do «Parcifal»). Duma vez que ela estava trabalhando em casa da costureira, mandaram-na à porta a ver quem batia: era o velho tio «pedindo alguma coisinha para matar a fome, porque havia já três dias que não comia nada». Ora não havia ainda senão duas horas que o velho jantara, enchendo-se de «baile de roda»...
- «Baile de roda?»
- «Nos Fumeiros chamamos assim às papas de milho, porque estão sempre a dançar quando fervem.»"

M. Teixeira-Gomes, Maria Adelaide, 4ª ed., Venda Nova: Bertrand Editora, 1992, pp. 47-48.

Wednesday, March 30, 2011

AS SUPERSTIÇÕES DE MARIA ADELAIDE


"Uma vez, antes de nos deitarmos, eu queria que se fosse pentear e repartisse o cabelo em bandós, mas ela recusou porque era de noite e não sabia se o pai andava no mar, o que seria mau agoiro. Uma vizinha dos «Fumeiros» [Bairro de Pescadores], andando o marido na lancha, fora da barra, pôs-se a pentear uma noite, e apenas atirava à rua o molhinho de cabelos caídos, vem uma refrega de vento que por pouco não mete a porta dentro. Nesse mesmo instante, o marido caía no mar e por pouco não se afoga...
Também se não devem despejar os cântaros da cantareira quando há em casa algum doente em perigo de vida. As almas, tão depressa largam os corpos, e antes de seguir ao seu destino, precisam de água pronta para se lavar, e preferem a água dos cântaros por serem fundos. Outra mulher, também dos «Fumeiros», estando o marido agonizante, despejou, de propósito, a água que havia em casa, deixando apenas uma gota na bacia do lavatório. Morreu o marido e logo ouviu ruído no quarto do lavatório: foi ver e achou tudo salpicado de água, sem que lá estivesse alguém..."
M. Teixeira-Gomes, Maria Adelaide, 4ª ed., Venda Nova: Bertrand Editora, 1992, p. 30.

Tuesday, March 29, 2011

A CASA DE MARIA ADELAIDE



"Maria Adelaide completara dezasseis anos quando lhe colhi as primícias, e, à semelhança do que sucede com frequência na terra onde habitávamos, os pais, que eram pobres, consentiam em que mantivéssemos relações coram populo, indo eu todas as noites dormir na sua companhia. Podia tê-la tirado logo à família, montando-lhe casa à parte, mas nem eu nem os pais sentíamos grande desejo de efectuar a separação: eles porque tendo-a em companhia melhor lhe exploravam os proventos da mancebia; eu para não dar mais solidez à ligação, esperando vagamente que fosse passageira..."

M. Teixeira-Gomes, Maria Adelaide, 4ª ed., Venda Nova: Bertrand Editora, 1992, p. 15.

Monday, March 28, 2011

DOS MISTÉRIOS



"E Monelle estendeu-me um castiçal em que ardia um filamento cor-de-rosa.
- Toma este archote - disse ela, - e deixa arder. Deixa queimar tudo na terra e no céu. E quebra o castiçal e apaga-o quando tiveres deixado arder tudo, porque nada se deve transmitir.
Para que tu sejas o segundo nartecóforo e destruas pelo fogo e que o fogo descido dos céus torne a subir aos céus.
E Monelle disse também: Vou falar-te da destruição.

É esta a palavra: destrói, destrói, destrói. Destrói em ti mesmo, destrói à tua volta. Abre lugar para a tua alma e para as outras almas.
Destrói todo o bem e todo o mal. Os escombros são iguais.
Destrói as antigas habitações dos homens e as antigas habitações das almas; as coisas mortas são espelhos que deformam. Destrói, porque toda a criação provém da destruição.
E para haver a bondade superior tem de se aniquilar a bondade inferior. E assim o novo bem surge saturado do mal.
E para imaginar uma nova arte, tem de se destruir a arte antiga. E assim a arte nova parece uma espécie de iconoclasia.
Porque toda a construção é feita de ruínas, e não há nada novo neste mundo além das formas.
Mas temos de destruir as formas."

Marcel Schwob, O livro de Monelle, trad. Helena Moura e José Colaço Barreiros, Lisboa: Teorema, 1994, pp. 12-13.

Sunday, March 27, 2011

QUE DE PIERRES



"Quantas pedras
E oh quantas solidões amontoadas,

Para esconder em vão porém
O canto de uma fonte límpida

E
Essa marca leve
Que aflorava no seio do muito puro
E do inacabado."

Yves Namur, Figuras do muito obscuro, trad. Fernando Eduardo Carita, Lisboa: cavalo de ferro, 2005, p. 98.

Saturday, March 26, 2011

APRENDIZAGENS


"Julian - (...) I've only learned one thing in Athens.
Basil - What, Julian?
Julian - The old beauty is no longer beautiful, and the new truth is no longer new."


Henrik Ibsen, "Emperor and Galilean", in Plays: Five, transl. Michael Meyer, London: Methuen, 1986, p. 166.

Thursday, March 24, 2011

AS COISAS FORA DO LUGAR


"Não, estes não são tempos que paguem
inteligência ou o direito de ter razão.
Os cães dormem inquietos ou pedem restos,
a chuva cai sem precaução,

acordando reflexos na tristeza da calçada.
O noctívago que a benevolência
dos munícipes não perturbou também
adormece tranquilo. Partiu alguém.

Não, estes não são os tempos que a dor perturbe,
saudade reclame ou alegria intente,
nem o frio de Deus armou cilada.

O vício turvo de ter um coração
por tal se perde: a alma usada,
a língua astuta e a ciência de quase nada."

José Alberto Oliveira, O Que Vai Acontecer?, Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, p. 48.

Wednesday, March 23, 2011

MORTO ESTÁ O TALENTO


"Tocar-lhe a luva sobre a terna mão dela,
Observar a pedra a luzir-lhe no anel,
Exaltou-me o coração para o canto súbito
Igual ao que cantam as aves selvagens.

Tocar a sombra dela sobre a erva ensolarada
Abrir-lhe caminho pelo bosque ensombrado,
Enchia-me a vida toda de tremor e lágrimas
E silêncio onde me encontrava.

Vejo as sombras abraçarem-me o coração,
Vivo para saber que ela partiu...
Partiu, partiu para sempre, como a terna pomba
Que sozinha abandonou a Arca."

Elizabeth Eleonor Siddal, "Gone", in Os Pré-Rafaelitas - Antologia Poética, trad. Helena Barbas, Lisboa: Assírio & Alvim/Círculo de Leitores, 2005, p. 201.

Tuesday, March 22, 2011

MORTO ESTÁ O OPTIMISMO


"Uma árvore dará sombra à minha sepultura. Gostaria que fosse uma palmeira, mas esta não cresce no Norte. Será decerto uma tília, e nas noites de verão os amantes aí virão sentar-se a namorar; o pintassilgo, que se baloiça nos ramos escutando, calou-se, e a tília sussurra familiarmente sobre as cabeças dos venturosos, que são tão felizes que nem tempo têm para ler o que está escrito sobre a pedra branca da sepultura. Mas quando, mais tarde, o apaixonado tiver perdido a sua amada, então voltará à tília tão sua conhecida, e observará a pedra tumular, muitas vezes, longamente, e lerá a inscrição: Ele amava as flores do Brenta."
Heinrich Heine, Ideias. O Livro de Le Grand, trad. Fernanda Mota Alves, Lisboa: Relógio D'Água, 1995, p. 28.

Monday, March 21, 2011

DON JUANISMO


"Entretanto, existe um prazer imenso em possuir uma alma jovem, mal desabrochada! Ela é como uma flor cuja melhor fragrância se exala aos primeiros raios de sol - tem de ser colhida nesse instante e, depois de se lhe ter inspirado o aroma até à saciedade, atira-se para o caminho: pode ser que alguém a apanhe! Sinto em mim esta avidez insaciável que devora tudo o que encontra; olho para os sofrimentos e alegrias dos outros e apenas vejo neles aquilo que a mim diz respeito, como um alimento que sustém as minhas forças espirituais. Por mim, já sou incapaz de enlouquecer de paixão; a minha ambição foi esmagada pelas circunstâncias e voltou a manifestar-se noutra forma, porque a ambição não passa da ânsia de poder, e o meu principal prazer é subjugar à minha vontade tudo o que me rodeia: despertar nas pessoas o sentimento do amor, da abnegação e do medo - não será isso o primeiro sinal e o maior triunfo do poder? Sermos a causa dos sofrimentos e alegrias para alguém, sem que para isso tenhamos qualquer direito - não será esse o mais deleitoso alimento do nosso orgulho? Ora, o que é a felicidade? É a satisfação do orgulho. Se eu me considerasse o melhor, o mais poderoso de todo o mundo, seria feliz; se toda a gente gostasse de mim, eu encontraria em mim as fontes infinitas do amor. O mal gera o mal; o primeiro sofrimento sugere-nos a ideia do prazer que é martirizar o outro; a ideia do mal não pode entrar na cabeça do homem sem que ele não queira experimentá-la na realidade: as ideias são criações orgânicas, como disse alguém, a sua própria génese lhes dá forma, e esta forma é acção; aquele a quem nascem mais ideias age mais do que os outros; por isso, um génio preso à mesa da função pública tem de morrer ou de enlouquecer, do mesmo modo que um homem de forte compleição morre de apoplexia se levar uma vida sedentária e tiver uma conduta modesta."

Mikhail Lérmontov, O Herói do Nosso Tempo, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Lisboa: Relógio D'Água, 2008, pp. 96-97.

Sunday, March 20, 2011

ONTEM FOI O DIA DO PAI



"Pensa no teu pai, ó Aquiles semelhante aos deuses!
Ele que tem a minha idade, na soleira da dolorosa velhice.
Decerto os que vivem à volta dele o tratam mal,
e não há ninguém que dele afaste o vexame e a humilhação.
Porém quando ouve dizer que tu estás vivo,
alegra-se no coração e todos os dias sente esperança
de ver o filho amado, regressado de Tróia.
Mas eu sou totalmente amaldiçoado, que gerei filhos excelentes
na ampla Tróia, mas afirmo que deles não me resta nenhum.
Eram cinquenta, quando chegaram os filhos dos Aqueus.
Dezanove nasceram do mesmo ventre materno;
os outros foram dados à luz por mulheres no palácio.
A estes, numerosos embora fossem, Ares furioso deslassou os joelhos.
E o único que me restava, ele que sozinho defendia a cidade e o povo,
esse tu mataste quando ele lutava para defender a pátria:
Heitor. Por causa dele venho às naus dos Aqueus
para te suplicar; e trago incontáveis riquezas.
Respeita os deuses, ó Aquiles, e tem pena de mim,
lembrando-te do teu pai. Eu sou mais desgraçado que ele,
e aguentei o que nenhum outro terrestre mortal aguentou,
pois levei à boca a mão do homem que me matou o filho."

Homero, Ilíada, XXIV, 486-506, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Cotovia, 2009 [reimp.], p. 489.

Friday, March 18, 2011

E À VIDA


"Cada momento é para mim uma eternidade: não meço o tempo pela vara do Brabante, ou pela vara pequena de Hamburgo, e não preciso de fazer um padre prometer-me uma segunda vida, porque posso viver o suficiente já nesta vida, se viver para trás na vida dos antepassados, e conquistar a eternidade no mundo de outrora."
Heinrich Heine, Ideias. O Livro de Le Grand, trad. Fernanda Mota Alves, Lisboa: Relógio D'Água, 1995, p. 26.

Wednesday, March 16, 2011

DOS CISMAS 4


"Em outra sala, pintaram um rio, a que deram o nome de Jordão e junto dele colocaram uma dorna cheia de água. A Coroada os levava ali, um por um (todos nus) e os baptizava."


Patrício Lusitano [Pinho Leal] e Pantaleão Froilaz [Pedro Ferreira, Abade de Miragaia], Maria Coroada ou o Cisma da Granja do Tedo - verdadeira história da mulher-homem António Custódio das Neves ou Antónia Custódia das Neves, Porto: Tipografia de Manuel José Pereira, 1879 [edição facsimilada da Câmara Municipal de Tabuaço, 1999], p. 41.


Tuesday, March 15, 2011

DOS CISMAS 3


"Maria Coroada ensinava àquela corja que o mundo era já muito velho e estava a acabar. Que só na arca da aliança (o lupanar do José Custódio) se podia salvar o género humano, do castigo que lhe estava eminente.
Que não era Deus - como se dizia - que tinha de julgar a humanidade, mas sim o Preste-João das Índias (!)
O juízo final devia ser precedido do bater das asas do Galo-Galarim, e é por isso que nas suas bacanais, quando ele batia as asas, tudo dispersava.
A sala onde representavam os quadros vivos (aos quais davam o nome de mundo transformado) chamavam o paraíso, e era ali que a Maria Coroada celebrava as suas cerimónias, e tinha os seus fingidos êxtases, depois dos quais é que fazia as suas absurdas e estúpidas poesias e sermoas."

Patrício Lusitano [Pinho Leal] e Pantaleão Froilaz [Pedro Ferreira, Abade de Miragaia], Maria Coroada ou o Cisma da Granja do Tedo - verdadeira história da mulher-homem António Custódio das Neves ou Antónia Custódia das Neves, Porto: Tipografia de Manuel José Pereira, 1879 [edição facsimilada da Câmara Municipal de Tabuaço, 1999], p. 39.

Monday, March 14, 2011

DOS CISMAS 2


"Maria das Neves (3ª Eva, e 2ª Maria, por Jesus coroada) chegou, com efeito, a ser coroada pelos seus adeptos, havendo nessa ocasião grandes festas e regozijos. Todos os ângulos da casa estavam adornados com bandeiras de seda, de várias cores, com legendas alusivas ao acto, e no centro do telhado, havia uma grande bandeira, de damasco de seda, onde se lia em letras doiradas:

                                                                NOVO MESSIAS

O António, além da alcunha de Sacramento, tinha também a de Galo-Galarim (!!!) e nas indecentíssimas procissões que faziam estes desalmados, a toque de tamboris, violas e rabecas, com sua guarda, armada de chuços, ia, entre dois anjos, o tal Galo-Galarim, vestido de branco e com asas. Quando ele as batesse, deviam todos debandar; mas primeiramente fazia muitas mogigangas e piruetas no alto de uma coluna, imitando o canto dos galos, mirando e remirando as galinhas e as frangas (as mulheres filiadas na maldita seita) que se agrupavam nuas (!) em volta da coluna.
Formavam a cauda do Galo-Galarim, muitas fitas que lhe pendiam do traseiro."

Patrício Lusitano [Pinho Leal] e Pantaleão Froilaz [Pedro Ferreira, Abade de Miragaia], Maria Coroada ou o Cisma da Granja do Tedo - verdadeira história da mulher-homem António Custódio das Neves ou Antónia Custódia das Neves, Porto: Tipografia de Manuel José Pereira, 1879 [ed. facsimilada da Câmara Municipal de Tabuaço, 1999], pp. 38-39 (texto actualizado).

Sunday, March 13, 2011

DOS CISMAS 1


"Basílio, que era o filho mais velho, sentou praça em lanceiros, no ano de 1834.
Regressando com baixa a casa de seus pais, pelos anos de 1840, trouxe um alfarrábio, manuscrito, no qual se liam as máximas mais absurdas, de uma seita alguma coisa semelhante à dos mormons, porém ainda mais estúpida e imoral.
Não sabendo de que artes se serviu Basílio, para fazer adoptar esta ignóbil seita por todos os membros da sua família, mas o certo é que não só o conseguiu, mas até angariou ainda umas oitenta a cem pessoas estranhas (mesmo famílias inteiras) da freguesia e circunvizinhas; chegando a tal ponto o fanatismo, que alguns dos iludidos, deram cabo de tudo quanto tinham, para o gastarem no vasto lupanar do José Custódio, onde se praticavam as acções mais torpes!
A esta casa, que era grande, deram o nome de arca da aliança (!)
Maria das Neves, que foi elevada a grã-sacerdotisa da seita, com o nome de terceira Eva, por Jesus coroada. Era esta mulher infamíssima que explicava as doutrinas da seita, e todas criam nas suas predições.
Erigiram-lhe um trono, onde se sentavam vestida de branco, fazendo-lhe a corte, toda aquela corja, completamente nus e formados em duas alas, a da direita, de homens - e a da esquerda, de mulheres.
Perguntava-lhes então ela do seu trono: - «Quem viva?» - e todos deviam responder - «viva a terceira Eva, por Jesus coroada, e viva a arca da aliança!»
Descia em seguida do trono, e acompanhada de um irmão, também completamente nu, dava a comunhão (!) a todos os que na véspera a ela se tivessem confessado!... Esta comunhão consistia em um gomo de laranja de que o irmão trazia um prato cheio. Isto, (dizia ela) dava a imortalidade!..."
Patrício Lusitano [Pinho Leal] e Pantaleão Froilaz [Pedro Ferreira, Abade de Miragaia], Maria Coroada ou o Cisma da Granja do Tedo - verdadeira história da mulher-homem António Custódio das Neves ou Antónia Custódia das Neves, Porto: Tipografia de Manuel José Pereira, 1879 [ed. facsimilada da Câmara Municipal de Tabuaço, 1999], pp. 33-34 (texto actualizado).

Saturday, March 12, 2011

AO DESTINO


"Va où te veut mener le destin que te mène!
Car à lui résister tu te nuis, et quand même
Qui mène tout, te mènera"

L'empereur Julien, Oeuvres Complètes, Tomo I - 2ª parte, trad. J. Bidez, Paris: Les Belles Lettres, 1972, p. 216.

Friday, March 11, 2011

BIG IN JAPAN


"Observar as cerejeiras em flor é ainda um ritual no Japão moderno. Já nos séculos 18 e 19 os habitantes das cidades mimavam-se com este luxo, passando as suas horas livres admirando a intoxicante beleza das flores, por exemplo em Gotenyama, onde nas margens do Rio Sumida estavam plantadas cerejeiras."
Adele Schlombs, Hiroshige, trad. David Ançã, Colónia: Taschen, 2009, p. 24.

Thursday, March 10, 2011

LE DIEU JALOUX


"Il faut donc en conclure que le dieu des Hébreux n'est pas le créateur de tout l'univers et le maître de toutes choses, mais bien plutôt , comme je l' ai dit auparavant, que son pouvoir est limité et qu'il n'est qu'un parmi d'autres dieux. Devons-nous encore prêter attention à vous parce que vous ou l'un de votre race s'est fait par l'imagination une conception aussi simple du dieu de l'univers? Tout cela n'est-il pas d'une grande partialité? Dieu est jaloux, dites-vous. Mais pourquoi est-il jaloux, allant jusqu'à venger les péchés des pères sur les enfants?"
Juliano, o Apóstata, Défense du paganisme (Contre les Galiléens), trad. le marquis d'Argens, estb. ed. Yannis Constantinidès, Paris: Éditions Mille et Une Nuits, 2010, p. 23.

Wednesday, March 9, 2011

DAS TENTAÇÕES ECFRÁSTICAS - MARK ROTHKO, SEM TÍTULO, 1968


"Septima enamorou-se de um jovem livre, Sextilius, filho de Dionísia. Mas não era permitido que sejam amadas aquelas que conhecem os mistérios subterrâneos: pois estão submetidas ao adversário do amor, que se chama Anteros. E logo que Eros comanda as cintilações dos olhos e aguça as pontas das flechas, Anteros desvia os olhares e embota a agrura dos traços. É um deus benfazejo que mora no meio dos mortos. Não é cruel, como o outro. Possui o nepentes que dá o esquecimento. E, sabendo que o amor é a pior das dores terrestres, odeia e cura o amor. Contudo, é impotente para expulsar Eros de um coração ocupado. Então, toma o outro coração. Assim Anteros luta contra Eros. E por isso Sextilius não pôde amar Septima. Logo que Eros levou a sua chama ao coração da iniciada, Anteros, irritado, apoderou-se daquele que ela queria amar."

Marcel Schwob, Vidas Imaginárias, trad. Telma Costa, Lisboa: Teorema, s.d., pp. 35-36.

CINZAS



"E se alguém de nós, caminhando só pela estrada, encontrar
um dos deuses, eles não se ocultam, visto que são parentes
nossos, como são os Ciclopes e os selvagens Gigantes."

Homero, Odisseia, VII, 204-6, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Biblioteca Editores Independentes/Cotovia, 2010 (reimpr.), p. 122.

Thursday, March 3, 2011

NA CELA DE CAMILO 3


"Casinha desprezível mal forrada,
Furna lá dentro mais que inferno escura;
Fresta pequena, grade bem segura,
Porta só para entrar, logo fechada;

Cama que é potro, mesa destroncada;
Pulga que, por picar, faz matadura;
Cão só para agourar; rato que fura;
Candea nem c'os dedos atiçada;

Grilhão que vos assusta eternamente;
Negro boçal, e mais boçal ratinho
Que mais vos leva que vos traz da praça;

Sem Amor, sem Amigo, sem Parente!
Quem mais se dói de vós diz: Coutadinho!
Tal vida levo. Santo prol me faça!"

D. Francisco Manuel de Melo, Poesias Escolhidas, selecç. José V. de Pina Martins, Lisboa: Editorial Verbo, 1969, p. 29.

Wednesday, March 2, 2011

NA CELA DE CAMILO 2


"Paredes: vós guardais os resplandores
Daquele próprio Sol que eu n'alma guardo!
Pois que guardais de mi, se eu neles ardo?
Não guardais, acendeis mais meus ardores.

Crecem presos os raios vingadores,
Certo efeito de todo o incêndio tardo.
Que indústria contra o Céu achou resguardo,
Que os estragos, despois, não fez maiores?

De pedras como vós, e mais estreitas,
Os Muros eram, donde a sorte dura
Roubou, para vos dar, minha alegria.

Ora acabai de crer que estais sujeitas
A perderdes, como eu, vossa ventura:
Que eu também, quando a tive, nunca o cria."

D. Francisco Manuel de Melo, Poesias Escolhidas, selecç. José V. de Pina Martins, Lisboa: Editorial Verbo, 1969, p. 30.

Tuesday, March 1, 2011

NA CELA DE CAMILO 1


"Hoje os olhos são míopes
E eu um assassino dentro do teu corpo.
Há palavras de sangue caídas
Ao meu lado.

Mas sorvo mesmo assim essas imagens densas
Enquanto o esforço sobe o nevoeiro
E tu não te arrependes de me levares contigo
Atraiçoado."

Armando Silva Carvalho, O Amante Japonês, Lisboa: Assírio & Alvim, 2008, p. 59.