Sunday, February 27, 2011

A MADRUGADA DOS DEUSES


"Na verdade, Juliano nem acreditava: o Bispo de Ílion era um admirador de Aquiles e conservava o seu túmulo com um pio cuidado! Tinham descrito um Cristão sectário e iconoclasta e era um dos homens mais dedicados para o entender! Um último traço, contado por Juliano, acabou por conquistá-lo. «Aqueles que agora lhe são hostis - acrescenta - disseram-me que invocava em segredo e adorava o Sol.»
Este era um argumento ao qual Juliano não podia resistir. Completamente convertido a seu favor, sentiu uma estima crescente por Pégaso e começou a interrogá-lo sobre a sua vida. Este contou-lhe que apenas se aliara ao cristianismo para poder salvar as moradias dos deuses, mas que nunca se entregara à mínima depredação nos templos, à excepção de um ínfimo número de pedras que tirara de uma estalagem para melhor conservar o resto.
Definitivamente, aquele prelado culto e arqueólogo era um ser requintado. Também um ser corajoso. Outros faziam sacrifícios secretamente aos deuses; ele sacrificara-se aos deuses. Juliano deu graças a Hélios por tê-lo conhecido. O que Pégaso acabava de revelar em alguns minutos era infinitamente mais precioso do que tudo o que lhe podia ensinar um exame prolongado das muralhas de Príamo. Graças a ele, descobrira que uma multidão de almas ferventes, mais numerosas do que imaginava, depositavam as suas esperanças numa restauração do paganismo."

Benoist-Méchin, Imperador Juliano - o Filho do Sol, trad. Isabel Debot, Lisboa: Ésquilo, 2006, p. 91.

Saturday, February 26, 2011

THAT NOISE IS OF TIME



"Esse ruído é o do Tempo,
Quando as suas plumas se espalham
E o seu pé se apronta para trepar
Até aos ramos mais altos,
E a minha folhagem o envolve e sussurra e os meus ramos se
curvam sob os seus passos."

A. C. Swinburne, "Hertha", in Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 2006, p. 141.

Friday, February 25, 2011

O RETRATO DA MAIS ABSOLUTA INFELICIDADE


"- É preciso ouvir os outros, o que os outros têm para nos dizer. Toda a minha vida tenho ouvido os outros, as suas queixas, as suas angústias, as suas falsas infelicidades, ou o que eles julgam que é o retrato da mais absoluta infelicidade. Ninguém presta atenção ao que os outros sentem, às vezes nem sequer ao que pensam. A mim pagam-me sobretudo para isso, para ouvir. Nem imaginas quantas vezes o meu trabalho se resume a isso. É quase como o divã do psicanalista: um lugar onde toda a gente, os homens que me frequentam, as mulheres que são as minhas colegas, se deita para se fazer ouvir. Ninguém espera de nós a solução de um problema, o consolo de um bom conselho, a conclusão feita da experiência. Todos nos querem usar como câmara de eco da sua completa solidão e ouvi-los é apenas estar ali como uma espécie de espelho que lhes devolve o movimento dos lábios, mas não o som que eles emitem. A vida é um filme mudo, às vezes a cores, mas mudo, irremediavelmente mudo."

António Mega Ferreira, A blusa romena, Lisboa: Sextante Editora, 2008, p. 212.

Thursday, February 24, 2011

A CHORAR E SOZINHO


"MARGARIDA - (...) A história do rei Herodes. Avó, conta tu uma história.

AVÓ - Era uma vez um menino pobrezinho, que não tinha pai nem mãe, estava tudo morto e não havia ninguém neste mundo. Tudo morto, e ele andou, andou, a chorar dia e noite. E como já não havia ninguém no mundo, quis ir para o céu, e a Lua olhava para ele com tanto carinho, mas depois, quando lá chegou a Lua era só um bocado de madeira podre. Então foi até ao Sol, mas quando lá chegou o Sol era só um girassol  murcho, e quando chegou às estrelas eram só uns mosquitos dourados, estavam todas picadas, como os picanços fazem aos abrunhos, e quando quis voltar à Terra viu que a Terra era um pote entornado, e ali ficou sozinho, sentado a chorar. E ainda lá está, a chorar e sozinho."

Georg Büchner, Woyzeck, trad. João Barrento, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus/TNSJ, 2010, p. 74.

Wednesday, February 23, 2011

QUANDO A NATUREZA SE SOLTA



"WOYZECK - Pois, doutor, mas a natureza. Quando a natureza se solta...
DOUTOR - Que é isso? Quando a natureza aparece?
WOYZECK - Quando a natureza se solta é quando a natureza aparece? Quando o mundo está tão escuro que temos de apalpar e ficamos com a impressão de que ele se desfaz como teias de aranha? É como quando uma coisa é e não é. Quando tudo está escuro e só se vê o clarão vermelho do lado poente, como numa chaminé. Quando... (Começa a andar de um lado para o outro na sala.)
DOUTOR - Homem, parece que andas a pisar ovos.
WOYZECK (muito direito.) - O senhor doutor já alguma vez olhou bem para os cogumelos no chão? Linhas compridas, círculos, figuras. Aí é que está o mistério. Quem pudesse ler esses sinais! Não ouve quando o Sol está a pino ao meio-dia e o mundo parece incendiar-se? Para mim, é como se o mundo falasse. Não vê as linhas compridas? É como se falassem comigo numa voz terrível."

Georg Büchner, Woyzeck, trad. João Barrento, Vila Nova de Famalicão: Edicões Húmus/TNSJ, 2010, pp. 58-59.

Tuesday, February 22, 2011

CAVALÍSTICA


"CHARLATÃO - Mostra os teus talentos!Mostra a tua racionalidade animal! Envergonha a sociedade humana! Meus senhores, este animal que aqui vêem, com rabo, de pé sobre as suas quatro patas, é membro de todas as academias, professor de várias universidades, onde ensina aos estudantes equitação e esgrima. Isto é o simples entendimento. Agora pensa com a tua raison dupla... E o que é que tu fazes quando pensas com a raison dupla? Será que entre a ilustre société aqui reunida há algum burro? (O cavalo abana a cabeça.) E agora vejam a dupla raison. Chama-se a isto cavalística. Não, o que temos aqui não é nenhuma besta quadrada, é uma pessoa! Um ser humano, um ser humano animal, e apesar disso uma besta, uma bête. (O cavalo comporta-se de forma indecorosa.) Isso, envergonha a société. Estão a ver? A besta ainda é natureza, natureza em estado puro! Aprendam com ele. Perguntem ao médico se não é altamente nocivo. O que ele quis dizer foi: Homem, sê natural, és feito de pó, areia e lama. Queres ser mais do que pó, areia e lama? Reparem na inteligência do bicho: não sabe contar pelos dedos, mas é capaz de fazer contas. E porquê? Só falta falar, saber explicar-se, é um homem sob outra forma. Diz aos senhores que horas são. Qual dos senhores ou das senhoras tem um relógio? Um relógio!"

Georg Büchner, Woyzeck, trad. João Barrento, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus/TNSJ, 2010, pp. 65-66.

Monday, February 21, 2011

O SEU A SEU DONO


"GERMÁN - Está bem. Até está bastante bem. Se o que pretendes é que as pessoas se riam dos teus personagens. Mas isso é um objectivo baixo. A primeira pergunta que um escritor deve fazer a si próprio é: Para quem escrevo? Para quem é que tu escreves? É muito fácil pôr em destaque o pior de qualquer pessoa, para que os medíocres, sentindo-se superiores, se riam dela. É muito fácil pegar numa pessoa e vê-la pelo lado mais ridículo. O que é difícil é olhar para ela de perto, sem preconceitos, sem a condenar antecipadamente. Encontrar as suas razões, a sua ferida, as suas pequenas esperanças, o seu desespero. Mostrar a beleza da dor humana, isso só está ao alcance de um verdadeiro artista.

Entrega-lhe outro livro. CLÁUDIO afasta-se para ler e escrever.

JUANA - Não sei o que é que pretendes.

GERMÁN - Ensiná-lo.

JUANA - Ensinar-lhe o quê?

GERMÁN - Literatura. E, através da literatura, outras coisas.

JUANA - A literatura não ensina nada.

GERMÁN - Ah, não?

JUANA - "O Escrivão Bartleby". O tarado que matou o John Lennon levava-o no bolso. O que é que a literatura lhe ensinou?

GERMÁN - O assassino do Lennon levava "À Espera no Centeio".

JUANA - Tanto faz. O que importa é que a literatura não ensina nada. Não nos torna melhores.

GERMÁN - As tuas exposições são mais educativas. As pessoas saem de lá muito cultas. Se é que conseguem encontrar a saída.

JUANA - As minhas exposições também não educam. A arte, em geral, não ensina nada."

Juan Mayorga, O Rapaz da Última Fila, trad. António Gonçalves, Lisboa: Artistas Unidos/Cotovia, 2008, pp. 22-23.

Sunday, February 20, 2011

DAS OPÇÕES CIVIS


"Se Kant recusou o casamento, é porque o pôde observar e analisar com detalhe. Tremenda constatação! «Vós que aqui entrais, abandonai toda a esperança», como escreveu Dante. O casamento é o inferno. Para o dizer, o nosso filósofo não recorre a imagens violentas. Limita-se a assinalar: «Dificilmente se prova que as pessoas que atingem idades avançadas estiveram a maior parte do tempo casadas.» Chegar a velho ou ser casado, é preciso optar. O casamento é um suicídio lento, uma forma autorizada de abreviar os nossos dias. E o comércio sexual entre esposos não chega para explicar a usura precoce da força vital. É o conjunto da vida conjugal que provoca erosão: «A discórdia, a negra inquietação e o desgosto reinam no lar.» Para compreender uma tal catástrofe quotidiana, é preciso remontar aos fundamentos desta aliança."


Jean-Baptiste Botul, A vida sexual de Immanuel Kant, trad. José Mário Silva, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004, p. 38.

Friday, February 18, 2011

NO REINO DE LARBIDEL



"O reino de Larbidel situava-se antigamente no sopé da imponente montanha de Hirgonqúu. Os geógrafos, pouco habilitados para fazer comparações desse género, diziam que o reino se assemelhava a uma bola de futebol prestes a levar um valente pontapé. E foi isso mesmo que aconteceu, já que a montanha pontapeou o reino para dentro do oceano e nunca mais se ouviu falar de tal sítio.
Um dia, uma jovem princesa subiu à montanha para apanhar ovos de cabra, cujas claras são excelentes para fazer desaparecer sardas. Ovos de cabra! - Sim: os naturalistas afirmaram que todos os seres são concebidos em ovos. As cabras em Hirgonqúu podiam muito bem ser ovíparas e pôr ovos para chocarem ao sol. Esta é a minha suposição, independentemente de acreditar nela ou não. Estou, aliás, disposto a contestar e a insultar a qualquer pessoa que se oponha à minha hipótese. Seria o cúmulo, se homens eruditos fossem obrigados a acreditar naquilo que afirmam!"

Horace Walpole, "Uma Nova História das Mil e Uma Noites", in contos hieroglíficos, trad. Nuno Batalha, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004, p. 17.

Thursday, February 17, 2011

A LINGUAGEM, CONTRA A SOLIDÃO


"La mujer ser mucho parlera, regla general es dello; que non es mujer que non quisiese siempre hablar e ser escuchada. E non es de su costumbre dar lugar a que otra hable delante della; e si el día un año durase, nunca se hartaría de hablar e non se enojaría día nin noche. E por ende, verás muchas mujeres que de tener mucha continuación de hablar, cuando non han con quién hablar, están hablando consigo mesmas entre sí. Por ende, verás que una mujer es osada de, hablando, las bocas de dize hombres atapar e vencerlas hablando e mal diciendo. Cuando razón non le vale, empieza a porfiar, e con esto nunca los secretos de otro y otra podría celar. Antes te digo que te debes guardar de haber palabras com mujer, que algún secreto tuyo sepa, como del fuego"


Arcipreste de Talavera, El Corbacho o Reprobación del Amor Mundano, XII, Madrid: Círculo de Amigos de La Historia, 1973, p. 181.

Monday, February 14, 2011

ANTEROS



"Manda-me amor dizer o que padeço;
A razão ocultar quanto desejo.
Certa a ventura no que oculto vejo,
Certa a desgraça no que explicar começo.

Vença a razão este amoroso excesso,
Fugir-te, Amor, para vencer-te elejo.
Mas se para vencer-te em vão forcejo,
Perdão, ímpio Destino, te mereço.

Confusas vozes do pesar nascidas,
Soem no meio desta escuridade
Com as noturnas sombras confundidas.

Eu não te ofendo cândida verdade,
Simpático pode de almas unidas,
vem perturbar-me a doce liberdade."


Viscondessa de Balsemão, "Antologia", in Zenóbia Collares Moreira, O Lirismo Pré-Romântico da Viscondessa de Balsemão, Lisboa: Edições Colibri, 2000, p. 83.

Sunday, February 13, 2011

DAS COISAS ILÍCITAS



"O medo mistura-se ao prazer
enquanto ela sorri ao pensar que vai ao seu encontro
A caminho do lago o orvalho da montanha refresca-lhe as
mangas de seda
Quem se habituaria a estas coisas ilícitas?
Somente o receio de faltar ao juramento secreto
leva com passos cautelosos ao quiosque de perfumes de
brocado
Espreita, procura nos ruídos do vento
esconde-te à espera do amor perfumado
Ao pé do muro branco uma flor brinca com a sua sombra
Sob as persianas vermelhas o brilho disfarçado da lua
Docemente
com um sopro, a lâmpada apaga-se."


Zhang Kajiu, Cinquenta "Xiaoling", selecç. e trad. Albano Martins, Porto: Campo das Letras, 1998, p. 21.

Saturday, February 12, 2011

SÓ NA MINHA IDEIA FIGURADO OU SONETO OU COISA Q'O VALHA


"Que é isto oh! Céus a luz desaparece,
Pálida sombra enluta o firmamento,
Abala os montes o furioso vento,
Em turbilhões de fogo o raio desce;

Palpita o Coração, alma estremece,
Não deseja a razão o pensamento:
A natureza para o movimento,
E mesmo até de vegetar se esquece.

Tudo vejo confuso e transtornado,
Mas talvez não será, será fingido,
E só na minha ideia figurado:

Novo tormento pela sorte urdido
Tudo persiste em seu primeiro estado,
Só em trago o sossego tão perdido."


Viscondessa de Balsemão, "Antologia", in Zenóbia Collares Moreira, O Lirismo Pré-Romântico da Viscondessa de Balsemão, Lisboa: Edições Colibri, 2000, p. 84.

Thursday, February 10, 2011

DAS TENTAÇÕES ECFRÁSTICAS - TURNER, SHADE AND DARKNESS: THE EVENING OF THE DELUGE



"cravo o prego no interior
da cal estremece a boca
dentro do púcaro
cai o verão a prumo
(e os teus olhos cor de luto)

como se não houvesse imagens ou palavras para dizer
toda a distância entre a pálpebra e o fruto
entre o dedo e o sangue
entre a pétala e a memória

(como se um livro fosse um objecto
desmedido e perfeito)

como se a mão fosse uma caça
diante dos maiores incêndios da estação
e os lábios alçados a muros e o mel"


Luís Felício, o som a casa, Lisboa: Artefacto, 2010, pp. 29-30.

Wednesday, February 9, 2011

DAS TENTAÇÕES ECFRÁSTICAS - JACKSON POLLOCK, NÉVOA DE LAVANDA



"Não confieis plenamente em nada, nem mesmo na água límpida, pois a sua própria transparência altera as coisas, tornando-as maiores do que são e alterando a sua forma ou escondendo-as nas suas profundezas, sorrindo e murmurando como faria qualquer político."


Baltasar Gracián, Espelho de Bolso para Heróis, trad. Ana Cecília Simões, Lisboa: Edições Temas da Actualidade, 1996, p. 64.

Tuesday, February 8, 2011

DAS TENTAÇÕES ECFRÁSTICAS - AUTO-RETRATO DE SOFONISBA ANGUISSOLA DO MUSEU POLDI PEROZZI, MILÃO

"Formosura que excedeis
mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.
Oh, o laço que assim juntais
duas coisas tão díspares!
não sei porquê vos soltais,
pois atado força dais
pra ter por bem os pesares.
Quem não tem ser vós juntais
Com o Ser que não se acaba;
sem acabar acabais,
e sem ter que amar amais,
engrandeceis vosso nada."


Santa Teresa de Ávila, Seta de Fogo - 22 poemas, 2ª ed., trad. José Bento, Lisboa: Assírio & Alvim,2010, p. 37.

Sunday, February 6, 2011

QUEM CANTA CLAMA POR ÁGUA



"o poeta sabe
que todo o deus é um paradoxo formal.
o poeta sabe que o que o poema diz são
os lentos braços de mulher desse deus
repartindo as águas diante da pétrea fonte
coberta de pó.
água!, quem canta clama por água,
alguém sempre ama o seu metafórico som,
quando embate na oblíqua pedra escarlate do peito.
diz-se água dentro da noite, e as ânforas do verso transbordam
no crescente das luas das imagens incitadas às enseadas
dos dedos segurando o cinzel.
mas água!, o sangue pesa, e toda a água é levíssima,
como se cantasse perpetuamente;
toda a água é a coincidência do som e do gesto
na oblíqua brancura musical de um ofício
de esculpir o negrume que medeia pupila e pulso,
coração e tímpano; toda a água estremece
neste ofício de se saber uma ferramenta musical"


Luís Felício, o som a casa, Lisboa: Artefacto, 2010, p. 13.

Friday, February 4, 2011

DAS TENTAÇÕES ECFRÁSTICAS - ANGELIKA KAUFMANN, ARIADNE ABANDONADA



"Vede em mim funesto exemplo,
Vós, que amores loucos seguis;
Penei séculos inteiros,
Pouco tempo fui feliz.

Belos astros do meu fado,
Dois olhos meigos, gentis,
Já para mim não fulguram,
Pouco tempo fui feliz.

Enquanto, amor, em tuas aras
Curvei humilde a cerviz,
Fui constante o meu tormento,
Pouco tempo fui feliz.

Venturoso o que seus ferros
Não conhece, não maldiz;
Mostrou-me razão cruel,
Pouco tempo fui feliz.

Prazeres de fantasia,
Ah, nem vós já me iludis;
'Té mesmo o meu delírio
Pouco tempo fui feliz.

Breve espaço a flor mimosa
Conserva o lindo matiz;
Foi com ele a minha glória,
Pouco tempo fui feliz."


Almeida Garrett, Poesias Dispersas, Lisboa: Editorial Estampa, 1985, pp. 63-64.

Thursday, February 3, 2011

PROLEPSES



"Concerning Egypt itself I shall extend my remarks to a great lenght, because there is no country that possesses so many wonders, nor any that has such a number of works which defy description. Not only is the climate different from that of the rest of the world, and the rivers unlike any other rivers, but the people also, in most of their manners and customs, exactly reverse the common practice of mankind."


Herodotus, Histories, B. II, 35, transl. George Rawlinson, London: Wordsworth Classics of World Litterature, 1996, p. 131.

Wednesday, February 2, 2011

SALVAR O EGIPTO



"Teófilo leu em voz alta o «Decreto» de Teodósio I e penetrou no santuário, mandando dar a primeira machadada à sagrada estátua de Serápis. Os seus seguidores destruiram o grandioso santuário e acabaram com a estátua de Serápis, queimando tudo à sua passagem, estátuas e livros, em uníssono, todo o pensamento clássico e pagão. As estátuas de ouro foram fundidas ali mesmo, as de pedra reduzidas a pedaços que foram enterrados e a cabeça de Serápis, arrancada à machadada da sua maravilhosa estátua no coração do santuário, foi arrastada pelas ruas de Alexandria até ao porto, de onde foi atirada ao mar, perante os olhos horrorizados dos alexandrinos, estupefactos diante da profanação e destruição do seu lugar de culto mais sublime e sagrado.
As lutas estenderam por todo o recinto sagrado do Serapeum, iluminado pelo crepitar voraz das chamas, caindo alguns cristãos, como relatará mais tarde Eládio de Cesareia. Mas os cristãos estenderam a hecatombe por todos os cantos, derrubando colunas e muros, e matando todos os pagãos que encontravam à sua passagem. (...)
Para além da destruição do santuário e do saque de todos os seus tesouros, o fogo destruiu completamente a Biblioteca Filha, a mais antiga do mundo naqueles tempos, pois tinha durado quase seiscentos e cinquenta anos - mais do dobro do que a Grande Biblioteca, já desaparecida -, podendo conter naquela época centenas de milhares de rolos de papiros e livros em pergaminho, constituindo, assim, no extraordinário recipiente de todo o saber conhecido. Nada ficou, nem dos seus edifícios enegrecidos nem nos seus vastos subterrâneos, de toda aquela sabedoria."


Pablo de Jevenois, Biblioteca de Alexandria - o Enigma Revelado, trad. Cleto Saldanha, Lisboa: Ésquilo, 2009, pp. 102-103.