Wednesday, August 31, 2022

LUZ INFUSA

 


"Digo imagem mas entenda-se que a quem não a vê não parece pintada e sim deveras viva: às vezes, até vem falando com a alma e chega a revelar-lhe grandes segredo; mas também haveis de entender que, embora nisto leve algum tempo, a alma não pode olhá-la mais detidamente do que nós por cá para o sol, pelo que nunca a vemos mais do que uns instantes; não é que o seu brilho ofenda, como o sol, os olhos interiores que a vêem (se forem os do corpo nada saberei dizer, porque a dita pessoa, da qual tão intimamente posso falar, nunca teve visões corpóreas e do que se não conhece por experiência não se consegue dar conta com exactidão) pois é como que luz infusa ou sol coberto de finíssimo véu- dir-se-ia de diamante, se pudéssemos tecê-lo - e de holanda parece vir vestido; quando Deus lhe faz esta mercê, a alma fica quase sempre em êxtase, porque a sua baixeza não consegue suportar tão aterradora visão. Digo aterradora, porque, sendo a mais formosa e deleitosa que alguém poderia jamais imaginar (mesmo que vivesse mil anos a forcejar por figurá-la, pois está muito para além de quanto nos cabe na imaginação e no entendimento) a sua presença é de uma majestade tão portentosa que a alma fica presa de pavor."

Santa Teresa de Ávila, "Moradas Sextas", cap. IX, in Moradas do Castelo Interior, trad. Manuel de Lucena, Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 153. 

Tuesday, August 30, 2022

ACONTECER

 



"Acontece-me uma estranha solidão ou companhia, aquela que escreve desprende-se de mim e vive como uma sombra comigo, numa existência plenamente autónoma. Quando faço o pão ela está lá, quando ando na rua ela está comigo,
em toda a parte vem atrás de mim como se fosse eu na minha imaginação criadora e de poder."


Maria Gabriela Llansol, Um Arco Singular - Livro de Horas II, Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p. 126.

ERROS



"Ora se o melhor da alma está no alto da cabeça, como poderá esse tumulto não a perturbar? Lá isso não sei, mas sei que é verdade o que digo. Faz sofrer o seu bocado, quando a oração não é com suspensão (em sendo, nenhuma dor se sente até que ela cesse)  mas muito mau seria se por causa dessa dificuldade eu desistisse de tudo. Por isso, não convém perturbar-nos com pensamentos nem fazermos caso deles, porque se os dão demo assim acabarão por passar; e se vêm - como também vêm - da miséria (somada a tantos outros males) em que o pecado de Adão nos deixou, tenhamos paciência e suportemo-lo por amor de Deus."


Santa Teresa de Ávila, "Quartas Moradas", cap. I, in Moradas do Castelo Interior, trad. Manuel de Lucena, Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 70. 

Sunday, August 28, 2022

REVELAÇÃO

 



"Admiro os idiotas instruídos, inchados de cultura, devorados por livros como por piolhos, e que afirmam, de mindinho no ar, que não se passa nada de novo, que já tudo se viu. Que sabem eles disso? A vinda do Cristo foi um facto novo. A descristianização do mundo será outro."


Georges Bernanos, Os Grandes Cemitérios Sob a Lua, trad. Fernanda Pinto Rodrigues, Lisboa: Livros do Brasil,  1988, p. 32. 

Saturday, August 27, 2022

CAUDAL

 



"Morremos em cada rosa...
Fugimos em cada rio,,,

Mas nascemos 
em cada rio que nasce.

Mas abrimos 
em cada botão de rosa."


Sebastião da Gama, Estevas, Mem Martins: Edições Arrábida, 2004, p. 67. 

ALTURAS

 



"No cimo da serra, 
No fundo dum vale...
Aldeias da minha terra, 
Terras do meu Portugal
Se perto vos contemplo, 
Se longe vos evoco...
Todo o meu coração é como um templo, 
A místicas alturas vos desloco
Em beleza ideal!"


Fausto José, "Síntese", in Obra do Poeta Fausto José - Vol. I, Armamar: Edição da Câmara Municipal de Armamar, 1999, p. 145. 

Thursday, August 25, 2022

POSSE

 



" - Pois estive para to mandar dizer! - exclamou D. Ana - E as Brancos que tanto o agradecem, filha!
- Ainda está a tempo - observou o magistrado.
D. Eugénia deu uma malha indolente no crochet de que nunca se separava, e murmurou com um suspiro:
- Cada um tem os seus mortos.
E no silêncio que se fez, saiu do canto do canapé outro suspiro da viscondessa, que decerto se recordara do fidalgo de Urigo de la Sierra, e murmurava:
- Cada um tem os seus mortos. 
E o digno doutor delegado terminou por dizer igualmente, depois de passar reflectidamente a mão pela calva:
- Cada um tem os seus mortos!"


Eça de Queirós, Os Maias, 12.ª ed, Lisboa: Ulisseia, 2003, p. 132. 

Wednesday, August 24, 2022

TÉNUES

 



"Fantasmas ténues, que se evolam
Ante o sinal da Santa Cruz, 
Andam de canto para canto:
Nos ombros nus trazem um manto
E na mão lívida uma luz.

Tão só, na casa erma e sombria!
Mas ninguém dela tenha pena:
Que assim, assim como quem ama
Nunca anda só, o sonho é a dama
Que traz na sua companhia...

E neste afago de silêncio,
Que a alma inteira lhe serena, 
O sonho mais e mais se apura...
Como uma estrela que se incende
No céu, se a noite é mais escura."


Fausto José, "Dona Donzela Senhorinha", in Obra do Poeta Fausto José - Vol. I, Armamar: Edição da Câmara Municipal de Armamar, 1999, p. 259. 

Tuesday, August 23, 2022

CEDIÇO

 



" - E acha que pode ser verdade? Parece-lhe que, de facto, necessitamos dum novo evangelho?
Birkin encolheu os ombros.
- Sei muito bem que as pessoas que dizem precisar duma nova religião são sempre as últimas a aceitar qualquer coisa diferente. É possível que desejem novidades. Mas, ao analisar-se esta vida que se tem vindo organizando, perde-se a coragem de rejeitar o que se fez à nossa imagem e semelhança, e de destruir os nossos velhos ídolos. O que se tem de fazer é desembaraçar-se a gente de tudo quanto é cediço, antes de o que é novo consentir em aparecer... mesmo dentro de nós."


D. H. Lawrence, Mulheres Apaixonadas, trad. Cabral do Nascimento, s. l.: Círculo de Leitores, 1990, p. 46. 

Monday, August 22, 2022

O INCONSCIENTE DA IMAGEM

 


"A força que gera a imagem: o inconsciente da imagem, a sombra por onde ela se desfaz, o desejo onde o duelo eu-outro se renova; por vezes uma «paixão de nostalgia» a que se deu por nome «Deus»; o começo. O nascimento que nasce. O amor do amor."

Silvina Rodrigues Lopes, Teoria da Des-Possessão (sobre textos de Maria Gabriela Llansol), Lisboa: Averno, 2013, p. 83. 

CORPÓREO RELEVO

 



"Ali, as massas do vento
Livres circulam volumosas, 
Sonâmbulas de alheamento:
E quase  ganhando forma, 
Vida, corpóreo relevo, 
Lembram frágeis divindades, 
Volúveis e caprichosas, 
Senhoras do firmamento!..."


Fausto José, "Planalto", in Obra do Poeta Fausto José - Vol. I, Armamar: Edição da Câmara Municipal de Armamar, 1999, p. 86. 

Sunday, August 21, 2022

IMAGENS

 


"É uma chuva de imagens
Tudo o que na alma se encerra.
Um cortejo de paisagens:
O mar, campinas, a serra!

A noite negra me aterra:
É um eco de carnagens, 
Que no seio das aragens
Vem de rastos, pela terra!

É a volúpia doirada
De uma estrela embriagada, 
Que cintila e perde a cor...

Um sonho num voo de ave, 
Que a luz da manhã suave
Desfolha como uma flor."


Fausto José, "Fonte Branca", in Obra do Poeta Fausto José - Vol. I, Armamar: Edição da Câmara Municipal de Armamar, 1999, pp. 57-58. 

Friday, August 19, 2022

PEQUENO

 



"Estamos num século de invenções. Agora já não se tem a maçada de subir degraus de uma escada; em casa dos ricos o ascensor substitui-a vantajosamente. Eu queria também encontrar um ascensor que me elevasse até Jesus, porque sou demasiado pequena para subir a rude escada da perfeição. Então,  procurei nos Livros Sagrados a indicação dos ascensor, objecto do meu desejo, e li estas palavras saídas da boca da sabedoria eterna: Se alguém for pequenino, venha a mim."


Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face,  História de Uma Alma - manuscritos autobiográficos, Paço de Arcos: Edições Carmelo, 1995, p. 265. 

Thursday, August 18, 2022

DEIXAR VER

 



"A epifania é uma manifestação da força das palavras e não dos factos ou saberes, que esses constituem um real unívoco, dotado de estabilidade. Daí que se lhe associe um «método»: tornar obscuro para deixar ver, afastar a luz  da representação."


Silvina Rodrigues Lopes, Teoria da Des-Possessão (sobre textos de Maria Gabriela Llansol), Lisboa: Averno, 2013, p. 33.

ESPETRO

 


"De tal modo que a leitura não procede à circunscrição de uma finalidade (um rosto inviolável) ou à sua transmissão a um outro texto, mas desenvolve conexões laterais, elege afinidades, torna imperativos os enredos que se vão tecendo, activamente, sem o espectro de uma Origem, uma Totalidade, um Deus, ou um qualquer Fim."

 

Silvina Rodrigues Lopes, Teoria da Des-Possessão (sobre textos de Maria Gabriela Llansol), Lisboa: Averno, 2013, p. 27. 

Tuesday, August 16, 2022

EXPEDIENTE

 


“Com efeito, nada aqui falta do que respeita a tanoaria, ferragens, capelista, tela de linho, estopa e tomentos, tamancos, albardeiro, cereais, legumes, gado de todas as espécies. Tudo em abundância, mas apresentado sem a mínima ordem, posto que obedecendo à série. Não há ruas, nem carreiros, mas linhas tortuosas e arbitrárias à margem das quais se acocoram os negociantes com sua veniaga. Como o beirão é essencialmente regateador, a cada passo se tropeça em magotes de gente. Há que furar como os esquilos, contornar a mó de povo, saltar. A melhor e mais comum forma de locomoção é saltar. Salta-se por cima da mulher que vende colheres de pau, do homenzinho que traz à dependura dos ombros os cacifos de furões, da lavradeira dos afusais de linho, como o arco da ponte D. Luís por cima do Douro. É o expediente aconselhável.”


Aquilino Ribeiro, O Homem da Nave – Serranos, caçadores e fauna vária, 2ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d., p. 238.

Monday, August 15, 2022

RESPLANDOR




"Antes que a ela chegassem
um resplandor parecia. 
Estiveram todos quedos
que nenhum se ali movia;
com temor de uma Senhora
de quem o Inferno tremia;
pois vinha com magestade, 
a Virgem Santa Maria, 
para guardar a limpeza
de quem se a ela recorria."


Baltasar Dias, "Emperatriz Porcina", in Autos, Romances e Trovas, ed. Alberto Ferreira Gomes, Lisboa: IN-CM, 1984, p. 286. 

Sunday, August 14, 2022

DESATEMPO

 



"Haverá então sinais do céu: surgirá o arco-íris, o corno [da lua] e as estrelas, (e ouvir-se-ão) a desatempo sussurros e vozes, o bramido do mar  e o rugido da terra."


Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, I, 6,  trad. Artur Morão, Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2020, p. 18. 

Saturday, August 13, 2022

FOGO LENTO

 


"Tudo isto são efeitos da estiagem que pelou os cerros, secou as fontes, riscou a esmeralda da superfície da terra. Pela primeira vez os rios deixaram de correr. Paiva e Távora estão reduzidos a charcos, e as pedras do leito e reluzem e faiscam como ossos de animais que ali houvessem tombado e o sol fosse consumindo de suas carnes a fogo lento. À beira dos caminhos é curioso o movimento de cem e um engenhos, toscos e trabalhosos, de tirar água, subindo e mergulhando na terra num pobre esforço sem fim. E os senhores padres, como as primeiras preces se frustraram, vão recomeçar com os votos."

Aquilino Ribeiro, Aldeia - Terra, Gente e Bichos, Lisboa: Livraria Bertrand, 1964, p. 176. 

Friday, August 12, 2022

OS EXCLUÍDOS

 


"Abençoam-se estes frutos: a uva, os figos, a romã, as azeitonas, a maçã, a pera, a amora, o pêssego, a cereja, a amêndoa, a ameixa; não, porém, a melancia, o melão, o pepino, o cogumelo, o alho, ou qualquer outro legume. Por vezes oferecem-se flores: podem oferecer-se a rosa e o lírio, mas não outras. Sobre todas estas coisas que tomamos, dar-se-ão graças a Deus santo, utilizando-as para a sua glória."

Hipólito de Roma, Tradição Apostólica, s. trad., Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2020, p. 71. 

CONFESSOR




"Se um confessor tiver sido preso por causa do nome do Senhor, não se lhe imporá a mão para o diaconado ou para o presbiterado, porque, em virtude da sua confissão, ele possui a dignidade de presbítero. Mas, se for instituído bispo, ser-lhe-á imposta a mão.
Porém, se houver um confessor que não tenha sido levado à presença da autoridade, nem tenha sido preso, nem metido na cadeia, nem condenado a outra pena, mas tenha sido ridicularizado por causa do nome de nosso Senhor e punido com um castigo doméstico, se tiver confessado, imponha-se-lhe a mão para qualquer ordem da qual seja digno."


Hipólito de Roma, Tradição Apostólica, s. trad., Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2020, pp. 55-56. 


 

Wednesday, August 10, 2022

A NATUREZA


"A natureza não sabe o que é o pudor, bem e mal, piedade, angústia, e o indivíduo só lhe é indiferente enquanto obreiro activo e útil da comunidade. Logo que falta ao seu papel, trata de suprimi-lo, para o que dispõe de mil e um processos. De maneira que bactérias e vírus, encarados ao revés do conspecto humano, passam a exercer uma acção eminentemente profícua, acrescentaríamos, se não temêssemos escandalizar quem sofre ou tem medo de espectros, eminentemente moral."


Aquilino Ribeiro, Aldeia - Terra, Gente e Bichos, Lisboa: Livraria Bertrand, 1964, p. 112. 

Tuesday, August 9, 2022

COMO CARÍCIA DE BRISA





"A cruz, árvore da minha salvação eterna,
dela me nutro e dela me deleito.
Nas suas raízes eu cresço,
nos seus ramos eu descanso,
o seu orvalho me alegra
e o seu espírito me fecunda como carícia de brisa.
Na sua sombra montei a minha tenda
e longe do tórrido verão,
encontrei este fresco refúgio de orvalho.
Das suas dádivas floresço,
saboreio os seus exóticos frutos que colho às mãos cheias,
porque a mim foram destinados desde o princípio.
Na fome e no meu alimento,
na sede a minha fonte,
na nudez a minha veste,
e as folhas são espírito de vida
pois já não são folhas da figueira.
No temor Deus é minha defesa;
nas dificuldades, meu sustento;
na luta o meu prémio e na Victória o meu troféu.
É meu augusto caminho e minha porta estreita.
É escada de Jacob, por onde sobem os anjos
e no alto se apoia o Senhor.
Imenso como o firmamento, a minha árvore se levanta
da terra ao céu e o seu tronco imortal
se eleva entre a terra e o céu.
É o pilar do universo que tudo sustém,
o esqueleto da terra,
o núcleo do mundo que rege todos os povos.
A sua extremidade superior toca os céus,
as suas raízes se aprofundam na terra
e os seus braços de gigante batem todos os ventos do ar.
Ela é todas as coisas e tudo por toda a parte."


Pseudo-Hipólito, Sobre a Santa Páscoa, in Isidro Pereira Lamelas, Os espaços litúrgicos dos primeiros Cristãos, Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2021, pp. 224-225.

CONVERGÊNCIA

 


"Quando surgiram as basílicas e as igrejas congéneres, o altar (altar, mensa, ara) continuou a ser o ponto de convergência de todo o complexo arquitectónico e o lugar mais nobre e sagrado do espaço litúrgico. O lugar habitual do altar na basílica paleocristã é o centro do presbitério, entre a abside e a nave central. Inspirado na mesa da última ceia e memorial do Gólgota, é o lugar onde se renova o sacrifício da Cruz, mas e também a pedra do túmulo vazio que testemunha a ressurreição."

Isidro Pereira Lamelas, Os espaços litúrgicos dos primeiros Cristãos, Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2021, p. 37.  

Sunday, August 7, 2022

A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR

 



"A  gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo...
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam logo ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando..."


Mário Quintana, A cor do invisível, Rio de Janeiro: Objetiva/Alfaguara, 2012, p.44. 

Saturday, August 6, 2022

ÉLITROS E ASAS

 



"Ao humano desprezo bem queria
responder com um rasgo de heroísmo
ou de bem calculada fantasia;
encaminhar algum pedestre implume
perdido nos meandros do destino, 
vencer um monstro em singular combate, 
ou descobrir as máquinas da luz. 
Dava-me já, porém, por satisfeito
se a minha arte fosse acompanhada
por discreto rumor de élitros e asas,
e eu mesmo, amoris causa, recebido
na academia eterna dos insectos.
Nem eu nasci da sua impura raça, 
nem sei de nenhum rito que me faça
ser digno do seu sumo sacerdócio; 
menos feliz do que o mosquito e a traça, 
não sou, por mera herança, dos eleitos;
e por muito que estude e em livros leia
a história todas dos seus reis e magos, 
ao fim do dia volto, magoado, à teia
sem ver o labor recompensado. 
Assim hei-de ficar até ao fim dos dias, 
objecto de temor e fria troça, 
sujeito à condição que não alcanço."


António Franco Alexandre, Aracne, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 25-26. 

Friday, August 5, 2022

DESERTO

 


"A senhora condessa de Noailles entrou na sala e foi a primeira pessoa a saudar Maria Antonieta como rainha de França, ao mesmo tempo que pedia que Suas Majestades saíssem dos seus gabinetes privados a fim de receberem na câmara os príncipes e todos os grandes oficiais que desejavam apresentar cumprimentos aos novos soberanos. Apoiada no ombro do esposo, com um lenço nos olhos e numa tocante atitude de pesar, Maria Antonieta recebeu então as primeiras visitas: a seguir, as carruagens partiram, bem como os guardas e os escudeiros a cavalo. O palácio ficou deserto; toda a gente se apressou a fugir de um contágio que ninguém tinha interesse em enfrentar."

Madame Campan, A Camareira de Maria Antonieta [Memórias], trad. Carlos Vieira da Silva, Lisboa: Aletheia, 2008, pp. 42-43. 

Thursday, August 4, 2022

ANGELIKOS

 


"Muitos anjos não são as crianças que se imaginam (que nós imaginamos), vitrais de inocência. São idades esclarecidas em velhos - são velhos de artérias rejuvenescidas, com uma especialíssima estrutura da experiência do tempo. Angelikos talvez pertença ao termo desta longa série espiritual. 
                              Ter um anjo entre nós não é cómodo               ele reflui na nossa cara
e transforma os mínimos ruídos em porta sempre aberta. Como se dão os anjos com as vacas, os búfalos, os esquilos e os pardais?"


Maria Gabriela Llansol, Os Cantores de Leitura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2007, p. 169. 

Wednesday, August 3, 2022

VERÃO

 


"Si lo le hubiera de poner a mi rey de los veranos quitasol de pluma, buscaría quizá pluma de alondra para el entramo del quitasol de las mañanasm y pluma de ruiseñor para el quitasol de las tardes."

Álvaro Cunqueiro, 100 artigos, selec. Dorinda Rivera Pedrero, Santiago de Compostela: La Voz de Galicia, 2001, p. 87. 

Tuesday, August 2, 2022

QUOTIDIANA ANTIGUIDADE

 


“Voy diciendo todas estas cosas para decir lo que Modoñedo vive en mí, lo que de Mondoñedo conforma mi sensibilidad, mi inteligência y mi memoria sentimental. Del pan, desde niños, cortándolo en grandes rebanadas de la rotunda hogaza casi sentimental, tenemos una imagen más antigua y religiosa de otros. Todo aqui es más antíguo y reposado, pero de aquella «cotidiana antigüedad» que decía Balzac de la provincia francesa, y que es el puro poso de toa la histórica civilidad europea, y que casi no nos damos cuenta de que la vivimos, y punto e aparte, que si la coca-cola pueden ser una asignatura, la civilizazión no es. Una ciudad como Mondoñedo – como Betanzos, Tours, Florencia o Nuremberga -, es el más fino produto de la cultura ocidental, um fruto muy hermoso alcanzado una vez, y por ende, una escuela de la más alta calidad civil y humana.”


Álvaro Cunqueiro, 100 artigos, selec. Dorinda Rivera Pedrero, Santiago de Compostela_ La Voz de Galicia, 2001, p. 94.

Monday, August 1, 2022

NOITEBRO

 



"Escuro é o monasterio. Noitebro, espeso na penumbra fondal, como um navio sen luces no fondo dos abismos."

Ramón Caride, O Frío Azul, Santiago de Compostela: Urco Editora, 2015, p, 24.