"No que respeita à terceira, que se diz coríntia, apresenta-se com a delicadeza virginal, porque as donzelas, mercê da sua tenra idade, possuem uma configuração de membros mais grácil e conseguem no adorno os mais belos efeitos."
"No que respeita à terceira, que se diz coríntia, apresenta-se com a delicadeza virginal, porque as donzelas, mercê da sua tenra idade, possuem uma configuração de membros mais grácil e conseguem no adorno os mais belos efeitos."
"Nada é hostil senão a barreira posta à confiança mútua. Nada é provocador senão a destituição do laço de identidade pelo qual as pessoas convivem, mesmo nas desigualdades que as separam."
Agustina Bessa-Luís, Alegria do Mundo - II, Lisboa: Guimarães Editores, 1998, p. 253.
"As ideias sobre as quais a civilização moderna assentou estão gastas. Neste período de rotura, ou antes de transmutação, não nos devemos admirar muito se o papel da ciência e a missão do sábio sofrerem alterações. Quais serão essas alterações? Uma visão oriunda de um passado longínquo pode permitir-nos esclarecer o futuro. Ou, mais precisamente, pode refrescar-nos a vista para a pesquisa de um novo ponto de partida."
Louis Pawels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mágicos, trad. Gina de Freitas, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 51.
"O Presente é este sincero desgosto de muitos e intermitente embriaguez da felicidade de poucos. O Futuro é um descuido do maior número e uma aflição de poucos espíritos que vieram sãos a um mundo cheio de aleijados. O Passado, o Passado, é já agora o único, seguro e abençoado refúgio de quem pode ir por trevas dentro a bater asas de luz e a poisar-se lá sobre ruínas, onde não chega a pedra destes fundibulários que têm seus arsenais nos enxurdeiros das cidades florescentes."
Camilo Castelo Branco, Cavar em Ruínas, 7.ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira,1976, p. 6.
"Queridas e dedicadas flores, como sois tranquilas. Não vos moveis, não tendes olhos nem orelhas e tão-pouco podereis dar um passeio, algo que, porém, é tão agradável. Às vezes parece mesmo que poderíeis falar, mas decerto que tendes sensibilidade e um sentimento próprio. Tantas vezes me deu a impressão de que pudésseis estar a meditar e a ter toda a espécie de pensamentos. Decerto me equivoco, mas penso em vós e de bom grado viveria convosco, com todo o prazer seria como uma de vós, deixando-me acariciar pela luz do sol, balouçando-me, num embalo, ao vento."
Robert Walser, Cinza, Agulha, Lápis e Fosforozitos, trad. e seleç. Ricardo Gil Soeiro, Lisboa: Assírio & Alvim, 2023, p. 103.
"Agora, lanço ao leitor a pergunta, tão educada quanto devota, sobre se ele porventura alguma vez bateu na água com a palma da mão. É uma experiência muito interessante, repleta de estranheza e peculiaridade. Bater palmas na água é para mim um maravilhoso passatempo de Verão, se tal não for pecado. A água é tão agradável, possui uma leve dureza apetitosa, uma firme suavidade, uma elasticidade cheia de carácter. É, por assim dizer, algo que resiste para depois ceder por bondade. Quase que poderíamos dizê-lo assim. A água é em si mesma algo bastante curioso. De que forma chegou a existir? Terá havido um tempo em que não existiu água? Talvez possa sucumbir aqui nas mais intrincadas investigações, se não bater em retirada tão rapidamente quanto possível."
Robert Walser, Cinza, Agulha, Lápis e Fosforozitos, trad. e seleç. Ricardo Gil Soeiro, Lisboa: Assírio & Alvim, 2023, pp. 30-31.
"Notável: o tempo passava por cima de todos os bons princípios como por cima de todas as falhas que não se consegue domar. Havia nesta passagem do tempo uma beleza que fazia esquecer e perdoar. O tempo passava pelo mendigo como pelo Presidente da República, pela pecadora e pela mulher casta. Tornava as coisas pequenas e insignificantes, porque só o tempo que passa é grande e sublime. O que eram todo o bulício da vida, toda a agitação quando comparados com o tempo altaneiro, que não quer saber se um homem é um homem ou um basbaque, que é indiferente a quem busca a justiça e a bondade?"
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, trad. Isabel Castro Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2009, p. 199.
"«Na cidade, falta a devida distância à fé em Deus. A religião tem aqui pouco céu e pouco cheiro a terra. Não sei bem como dizer, e que tenho eu que ver com isso? A religião é, na minha experiência, o amor à vida, um apego íntimo à terra, a alegria do momento, a confiança no belo, a crença nos homens, a ausência de preocupações e o convívio com os amigos, a vontade de meditar e um sentimento de irresponsabilidade em caso de desgraça, é sorrir diante da morte e mostrar coragem em todos os desafios que a vida oferece. Nos últimos tempos, a nossa religião passou a ser um sentimento profundo e humano de decência. Se os homens forem decentes entre si, também o serão aos olhos de Deus. Que mais pode Deus querer? O coração e uma sensibilidade refinada podem em conjunto criar um sentido de decência que agradará mais a Deus do que uma fé fanática e obscurantista. Esta última, aliás, só poderá desconcertar a divindade, que por fim já não quererá ouvir orações tonitruantes nas suas nuvens. Que importância podem ter as orações que tentam impor-se com sobranceria e deselegância, como se Deus fosse duro de ouvido? Não teremos de o imaginar, se é que podemos imaginá-lo, com o ouvido argutíssimo? Será que os sermões e a música de órgão lhe agradam, a ele, o indizível? Pois bem, ele sorrirá diante dos nossos esforços sempre tão cegos e terá a esperança de que um dia nos ocorra dar-lhe um pouco de sossego.»"
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, trad. Isabel Castro Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2009, p. 171.
"Numa manhã de sair à rua, como esta, como são magníficos os olhos das mulheres que fitam a distância. Os olhos que nos ignoram são ainda mais bonitos do que aqueles que nos observam. É como se perdessem com isso. Quando caminhamos com pressa, também pensamos e sentimos com pressa. Mas não olhes para o céu! Não, é melhor sentir que lá em cima, sobre a cabeça e sobre as casas, paira uma coisa bonita e larga, flutuante, alada, arrebatadora. Trazemos connosco qualquer coisa que tem de ser conferida e entregue, para que possamos apresentar-nos como pessoa de confiança, e neste momento é para mim um prazer apresentar-me como pessoa de confiança. A natureza? Por ora, pode manter-se escondida. Sim, tenho a impressão de que ela se esconde algures por ali, atrás das longas fileiras de casas."
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, trad. Isabel Castro Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2009, p. 128.
"Podia-se dizer e pensar o que quisesse, tudo o que fosse dito ou pensado continuava por dizer e por pensar! Tudo era leve e pesado, extático e doloroso, poético e natural. Compreendia-se então os poetas, não, na verdade, não se compreendia, porque enquanto se caminhava, a preguiça era demasiada para imaginar o que compreendiam os poetas. Não era preciso compreender coisa alguma, nada se compreendia e, por outro lado, tudo se compreendia de moto próprio, porque tudo se dissolvia na tentativa de escutar um ruído ou na contemplação da distância ou na lembrança de que agora já era mesmo tempo de ir para casa e de cumprir um qualquer dever, por mais insignificante, porque também na Primavera os deveres esperam ser cumpridos."
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, trad. Isabel Castro Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2009, p. 105.
"O que é a poesia? O transfundir o ideal no real - o aproximar o céu da terra, e elevar esta até o céu."
Alexandre Herculano, Cenas de um Ano da Minha Vida / Apontamentos de Viagem, Lisboa: Livraria Bertrand, 1973, p. 102.
"Klara trazia um vestido branco como a neve, as mangas largas pendiam pesadamente dos braços bonitos e das mãos. Tinha tirado o chapéu e soltado o cabelo com um gesto bonito e espontâneo da mão. A boca dela sorria para a boca do homem mais acima. Ela não sabia o que dizer e também não queria dizer nada. «Como é bonita a água, parece um céu», disse ela. A sua fronte era serena como o lago, como as margens e o céu sem nuvens que a rodeavam. O azul do céu era riscado por linhas brancas reluzentes e perfumadas. O branco turvava um pouco o azul, refinava-o, tornava-o mais nostálgico e oscilante e suave. O sol brilhava em parte velado, como o sol que brilha nos sonhos."
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, trad. Isabel Castro Silva, Lisboa: Relógio D'Água, 2009, p. 41.
“Jesus pensava que o Reino de Deus estava prestes a chegar e os seus discípulos aceitaram a sua mensagem. Como acabei de sugerir, é possível que ele tenha morrido desiludido. Os seus discípulos, pensando, com razão, que seriam os próximos, esconderam-se. Algumas das seguidoras – que estavam seguras e, possivelmente, eram mais corajosas, assistiram à sua morte e viram como José de Arimateia sepultou o seu corpo. Suponho que, para além de terem medo que Caifás e Pilatos se virassem contra eles a seguir, os seguidores de Jesus ficaram todos desapontados. O Reino de Deus que estava prestes a chegar tinha soado tão bem! Os últimos seriam os primeiros, os mansos herdariam a terra. Estas expectativas não se cumpriram, pelo menos, não de uma maneira óbvia. O que aconteceu foi uma surpresa.”
“Por que razão ordenou Pilatos a execução de Jesus? Porque o sumo sacerdote lha recomendou e porque lhe forneceu uma acusação forte: Jesus pensava que era o rei dos judeus. Pilatos percebeu que Jesus era um potencial rei sem exército e, por isso, não fez nenhum esforço por perseguir e executar os seguidores deste. É provável que o tenha considerado um fanático religioso, cujo fanatismo se tinha tornado tão extremo que se tinha transformado numa ameaça à Lei e à ordem pública.”
E. P. Sanders, A Verdadeira História de Jesus, trad. Teresa Martinho Toldy e Marian Toldy, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 340.
“É possível que, quando Jesus bebeu o seu último cálice de vinho e previu que voltaria a bebê-lo no Reino de Deus, pensasse que o Reino de Deus viria imediatamente. Depois de estar na cruz durante algumas horas, desesperou e exclamou que tinha sido abandonado. Esta especulação constitui apenas uma explicação possível. Não sabemos o que ele estava a pensar quando estava na cruz, em agonia. Morreu, depois de um período relativamente curto de sofrimento e alguns dos seus seguidores e simpatizantes sepultaram-no apressadamente.”
"Gostava de poder explicar, mas não é fácil. O grande espinho é não sabermos, nestes casos, o que Deus pensa de nós e dos outros. E no fundo são questões em que Deus não toma partido, tenho a certeza. Mas terei?"
Esther de Lemos, "O Genuflexório", in Terra de Ninguém, 2.ª ed., Lisboa: Grifo, 1999, p. 77.
"Jesus Cristo não fez outra coisa senão mostrar aos homens que eles se amavam a si mesmos, que eram escravos, cegos, doentes, desgraçados e pecadores; que era preciso que ele os libertasse, esclarecesse, beatificasse e curasse; que isto se faria odiando-se a si mesmos, e seguindo-o na miséria e na morte na cruz."
Pascal, Pensamentos, trad. Salette Tavares, Lisboa: Círculo do Humanismo Cristão/Livraria Morais Editora, 1959, 689, p. 280.
"O terceiro motivo pelo qual o estudo dos títulos não nos diz nada sobre o que Jesus pensava sobre si próprio está relacionado com o facto de dispormos de informações melhores. Jesus pensava que os doze discípulos representavam as tribos de Israel, mas também que iriam julgá-las. Jesus estava claramente acima dos discípulos; uma pessoa que está acima dos juízes de Israel está, de facto, numa posição muito elevada. Sabemos igualmente que ele considerava a sua missão como sendo algo de absoluta importância e que estava convencido de que a forma como as pessoas respondiam à sua mensagem era mais importante do que outras obrigações importantes. Ele pensava que Deus estava prestes a trazer o Seu Reino e que ele, Jesus, era o último enviado por Deus. Por isso, pensava que era, de certa maneira, «rei». Entrou em Jerusalém montado num burro, evocando uma profecia sobre o rei montado num burro, e foi executado por ter reivindicado ser «rei dos judeus»."
E. P. Sanders, A Verdadeira História de Jesus, trad. Teresa Martinho Toldy e Marian Toldy, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, pp. 309-310.
"Existe, em frente às termas de Jakobsbad, um edifício barroco que parece um mosteiro. Trata-se, provavelmente, de um lar de idosos. Eu: «Vamos ver o interior?» Robert: «Tudo isso é mais bonito de fora. Não se deve querer desvendar todos os segredos. Pensei assim a vida toda. Que belo é haver na nossa existência tantas coisas alheias e insólitas, como que escondidas por detrás de um muro coberto de trepadeiras! Isso confere-lhe um encanto indizível, que se perde cada vez mais. Hoje em dia, tudo é cobiçado e possuído com brutalidade."
Carl Serlig, Caminhadas com Robert Walser, trad. Bernardo Ferro, BCF Editores, 2019, p. 45.
"Eu era um animal surdo e cego!... Como pude com um tal cinismo, descoroçoador, blasfemar da infinita beleza da Forma, que vai do homem ao animal, do animal à planta, da planta à montanha, da montanha à nuvem e da nuvem à luz, que nos seus reflexos contém todo o esplendor da vida."
Octave Mirbeau, O Jardim dos Suplícios, trad. Terêncio Figueiroa, Lisboa: Arcádia, 1972, p. 71.
"Sendo assim, é altamente improvável que os Evangelhos ou os primeiros cristãos tenham inventado que Jesus iniciou a sua vida pública como seguidor de João. Estando eles interessados em colocar Jesus acima do Baptista, não teriam inventado a história segundo a qual Jesus tinha sido seguidor deste. Portanto, podemos concluir que Jesus foi de facto baptizado por João. Isto significa, por seu turno, que Jesus concordava com a mensagem de João: era tempo de fazer penitência, face à ira e à redenção iminentes."
E. P. Sanders, A Verdadeira História de Jesus, trad. Teresa Martinho Toldy e Marian Toldy, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 128.
"Numa manhã primaveril, por volta do ano 30 da era cristã, as autoridades romanas executaram três homens na Judeia. Dois eram salteadores - homens que tinham sido ladrões ou bandidos, cujo único interesse era o seu próprio proveito, mas que também podiam ter sido insurrectos cujo banditismo tinha um objectivo político. O terceiro foi executado como um outro tipo de criminoso político. Não tinha roubado, pilhado, assassinado, nem sequer acumulado armas. Foi condenado, no entanto, com base na acusação de se ter afirmado que era «rei dos judeus» - um título político."
E. P. Sanders, A Verdadeira História de Jesus, trad. Teresa Martinho Toldy e Marian Toldy, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 15.
"Celebremos mais uma vez o sacramento, a três: tu estás ajoelhado, eu de pé por detrás de ti, com a pele seca. O suor alarga os poros. O Sr. Padre coloca a hóstia sobre a tua língua carregada. No momento anterior, todos três podíamos ser englobados no mesmo número, mas eis que, movida por um mecanismo, a tua língua desaparece na boca. Os teus lábios unem-se. A tua deglutição propaga-se, e enquanto o objecto de ferro vibra num eco, eu sei que Mahlke, o Grande, sairá fortificado da capela de Santa Maria; e isso fará secar o suor; se um instante mais tarde o rosto lhe luzia, húmido, era apenas por causa da chuva. Fora, diante da capela, chuviscava."
Günter Grass, O Gato e o Rato, trad. Carmen Gonzalez, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 136.