Wednesday, May 31, 2023

FORTUNA

 



"Lá no alto da montanha, inclinada por sobre a encosta ao invés de se erguer no planalto, encontra-se a casa da Fortuna, sendo que aquela parece estar sempre prestes a se desmoronar."

Guillaume de Lorris e Jean de Meun, O Romance da Rosa, trad. Lucília Mateus Rodrigues, Mem Martins: Publicações Europa-América, 2001, IV, p. 101. 

Tuesday, May 30, 2023

OLHAVAM

 



"quando  aqueles que chegavam
olhavam os que partiam
os que partiam choravam
os que ficavam sorriam"


Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Lisboa: Assírio & Alvim/BI, 2008, p. 75. 

Sunday, May 28, 2023

GRANDEZA DE DEUS

 



"O mundo está pleno da grandeza de Deus.
    Seu fulgor inflama, qual lâmina fulgurante;
    Une-se numa grandeza, qual óleo derramado
Exangue. Porque não reconhecemos hoje o seu poder?
Gerações trilharam o mundo, trilharam, trilharam;
    E tudo secou com o comércio, tudo definhou na labuta;
    E traz em si a mácula do homem e do seu odor: o solo
Está exangue agora, e nem o nosso palmilhar pode sentir.

E apesar de tudo isto, a natureza persiste;
    Ali, no mais fundo das coisas, vive o mais querido frescor;
E embora as derradeiras luzes se extingam no Oeste
    Ó, a manhã, na orla leste tocada pelo sol, emerge -
Porque o Espírito Santo por sobre o arco
    Do mundo cisma com seu cálido peito e com ah! Brilhantes asas."



Gerard Manley Hopkins, Poesia e Prosa Escolhidas, trad. Mário Avelar, Prior Velho: Paulinas Editora, 2016, p. 35. 

ANIVERSÁRIOS

 



"Atravessei, aspergida de luz, o braço de mar
que divide tudo o que existe. De um lado, eu,
do outro, o fim da terra. De onda em onda me fiz
tão pouco e depurada ancorei nas travessas cruas
desse extremo insular.

Conheci nesse dia a respiração ofegante das árvores.
E lágrimas de flor.

O choro do vento sacrificado a derramar-se,
avulso, lembrou-me a agonia de uma borboleta.

Sei que não há pássaros verdes no fim do mundo.
Mas nunca um lugar foi tanto céu."


Virgínia do Carmo, A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas, Lisboa: Poética Edições, 2023, p. 52. 

Saturday, May 27, 2023

PERMANÊNCIA

 



"Nunca antes me sentira tão feliz. É certo que é possível uma pessoa curar-se, bastando-lhe para isso beijar uma flor tão encantadora e perfumada. Nunca me sentirei tão amargurado ao ponto de a lembrança de uma coisa destas não me encher de alegria e de felicidade. Ainda assim, tenho passado por muitas atribulações e conhecido muitas noites sem dormir desde o momento em que beijei aquela rosa. O mar nunca se mostrará tão calmo ao ponto de não ser perturbado por um pouco de vento. Quanto ao Amor, trata-se de uma coisa muito inconstante, que por vezes se acalma, por vezes provoca dor. A verdade é que o Amor raramente permanece inalterável."


Guillaume de Lorris e Jean de Meun, O Romance da Rosa, trad. Lucília Mateus Rodrigues, Mem Martins: Publicações Europa-América, 2001, III, pp. 59-60. 

Friday, May 26, 2023

SOB PÁLPEBRAS

 



"Às vezes a minha casa é apenas o espaço ínfimo
Entre o que sinto e o que não sei. 

Às vezes moro sob as pálpebras. 

Às vezes durmo sobre sombras
molhadas de mar. 

Às vezes é aí a minha casa."


Virgínia do Carmo, A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas, Lisboa: Poética Edições, 2023, p. 34. 

Thursday, May 25, 2023

ALEGRIA (para a memória de Tina Turner)

 


"A Alegria cantava bem e de forma agradável, e ninguém teria sido capaz de fazer com que os refrões soassem melhor ou com maior clareza. Cantar era uma actividade que lhe assentava às mil maravilhas, já que a sua voz era bem límpida e pura, e ela estava longe de se mostrar desajeitada, antes sabendo bem como mover o corpo enquanto dançava, bem como bater os pés e mostrar-se cheia de graça. Sempre e em toda a parte, era seu hábito ser a primeira a cantar, já que o canto era a sua ocupação favorita."

 

Guillaume de Lorris e Jean de Meun, O Romance da Rosa, trad. Lucília Mateus Rodrigues, Mem Martins: Publicações Europa-América, 2001, II, p. 19. 

Wednesday, May 24, 2023

O TEMPO

 


"O tempo, que não se pode deter e que avança sempre, sem nunca se virar, à semelhança da água que desce da montanha e que não deixa uma só gota que seja percorrer o caminho inverso. O tempo, que a tudo resiste, até mesmo ao ferro e às substâncias mais duras, pois tudo corrompe e devora. O tempo, que tudo muda, que tudo alimenta e faz crescer, mas que também tudo desgasta e apodrece. O tempo, que fez os nossos antepassados envelhecer, que procede da mesma maneira com os reis e os imperadores, e que acabará por nos envelhecer a todos, a menos que a morte nos reclame primeiro."

Guillaume de Lorris e Jean de Meun, O Romance da Rosa, trad. Lucília Mateus Rodrigues, Mem Martins: Publicações Europa-América, 2001, I, p. 14. 

Tuesday, May 23, 2023

QUIETAÇÃO

 


"Devora-nos uma impaciência insuportável; tudo o que ouvimos nos aflige; as conversas sobre assuntos indiferentes, irritam-nos; se nos tentam alentar com esperanças, revoltamo-nos contra elas; se procuram preparar-nos para um desengano, prevenindo-o, repelimos com energia a ideia dele. O silêncio não nos é mais agradável; as apreensões ganham corpo no meio dele; falam dos pressentimentos do mal. Tentamos sorrir, gela-se-nos o sorriso nos lábios. A quietação é-nos tão intolerante como o movimento. Ansiamos sair da incerteza, e de cada indivíduo que chega, trememos de saber a nova fatal. Vai mais longe o efeito moral deste estado de espírito; chegamos quase a querer mal a todos quantos estão assistindo naquele momento à decisão lenta da sorte. O nosso egoísmo, exacerbado em tais momentos,  irrita-se com a ideia de que os nossos amigos tenham coração para assistir àquilo; e contudo não lhes perdoaríamos se se retirassem. Sensações daqueles esgotam mais vitalidade, em cada instante, do que anos de vida isenta delas."

Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto: Livraria Simões Lopes, 1948, p. 530. 

Monday, May 22, 2023

TUDO

 


"Tudo 
por causa da minha Fé
na minha sabedoria
de andar em pé!...

Tudo
por eu ser um pobre vivo
a eternizar 
o mesmo Homem de sempre
com raízes
que ninguém pode arrancar...

O Homem de carne e osso
que tu não mudas e eu não mudo!
(Satanaz diz lá do inferno:
- Até onde a corda der, 
hás-de ser tudo!
E sou tudo, 
menos traidor à minha condição...)

Tudo
por ser neste Paraíso
o mesmo Adão!

Tudo
porque disse que fui eu 
a ovelha que se perdeu
e só então se encontrou!
Tudo
por ser a parte do Pedro
que no transe da tua divindade
te negou!...

Tudo
porque meto a minha mão
no lado do coração
e tiro terra de mim como dum poço
sem fundo!
Tudo
porque disse que o teu céu
só era meu
neste mundo!

Tudo 
por causa do meu sonho verdadeiro
de ser mais feliz assim:
carregado de pecados
e de mim..."


Miguel Torga, O Outro Livro de Job, 5.ª ed., Coimbra, 1986, pp. 24-27. 

Sunday, May 21, 2023

PINTAR OS DIAS

 



"Ao cabo de mil temores
marejadas de incertezas e cansaços, 
as mãos deixaram cair
uma pequena mancha
redonda e alambre na tela
para que se acomodasse no centro da noite.
De súbito como se milagre
acenderam-se as margens do rio. 
E o luar riscou o negro da água
com inflamados retoques de prata. 

Fosse possível pintar assim os dias."



Lídia Borges, Que farei com este azul que me beija, Braga: Poética Edições, 2021, p. 94.  

ASCENSÃO

 


"Quem quiser ir receber o ensinamento de Deus, deverá ir até essa montanha: aí, quer Deus consumar (o ensinamento) no dia da eternidade, no qual Ele é uma plena luz. Aquilo que eu reconheço em Deus é a luz; mas aquilo que toca a criatura é a noite. (Só) Aquilo que se reconhece deve ser luz."

 

Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Sermão 5, trad. Fr. José Luís de Almeida Monteiro, Prior Velho: Paulinas Editora, 2009, p. 226. 

Friday, May 19, 2023

ESTILO (para a memória de Helmut Berger)

 



"Calou-se. Quase imóvel.  
- Olha antes para ali, para a piroga - prosseguiu, apontando-me através do vidro da janelinha, que os nossos bafos começavam a embaciar, uma silhueta longa e esquelética, encostada à parede oposta à da estante dos frutos exóticos. - Olha para ali e admira com quanta honestidade e coragem moral o barco soube tirar da sua perda total de funções todas as consequências que devia. Também as coisas morrem, meu caro. E então, se também elas têm de morrer, paciência, o melhor é deixá-las. E  sobretudo tem muito mais estilo, não te parece?"


Giorgio Bassani, O Jardim dos Finzi-Contini, trad. Egito Gonçalves, Lisboa: Quetzal, 2010, p. 129. 

Thursday, May 18, 2023

TERRA PROMETIDA

 



"Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te
O caminho que leva à Cidade do Sonho...
De tão alta que está, vê-se de toda a parte,
Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

Vai por entre rosais, sinuoso e macio,
Como o caminho chão duma aldeia ao luar,
Todo branco a luzir numa noite de Estio,
Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,
Deves empreender essa jornada louca;
O Sonho é para nós a Terra Prometida:
Em beijos o mana chove na nossa boca...

Visto dessa eminência, o mundo e as suas sombras,
Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;
O mais estéril chão tapeta-se de alfombras.
Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol.

Nela mora encantada a Ventura perfeita
Que no mundo jamais nos é dado sentir...
E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,
A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

Que importa o despertar? Esse instante divino
Como recordação indelével persiste;
E neste amargo exílio, através do destino,
Ventura sem pesar só na memória existe..."


António Feijó, Sol de Inverno, Lisboa: IN-CM, 1981, p. 60.

Wednesday, May 17, 2023

CIDADELA

 



"Vede e reparai bem! Aquela «cidadela» de que vos falo e na qual penso, é tão um e tão simples na alma tão superior a todos os modos, que aquela nobre potência da qual falei, não é digna de lançar um único olhar que seja nesta cidadela, e também a outra potência de que falei, onde Deus arde e incandesce com todo o seu reino e com toda a sua delícia, nunca ousará olhar lá para dentro; esta cidadela é tão um e tão simples, e tão elevada acima de todos os modos e de todas as potências é este Um único, que nunca uma potência ou um modo consegue espreitar para dentro dela, nem Deus, Ele mesmo."

Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Sermão 1, trad. Fr. José Luís de Almeida Monteiro, Prior Velho: Paulinas Editora, 2009, p. 193. 

Tuesday, May 16, 2023

ARQUÉTIPO

 



"O anjo supremo e a alma e o mosquito têm um arquétipo igual em Deus. Deus não é ser nem bondade. A bondade adere ao ser e não alcança mais longe do que o ser; pois se não houvesse ser, também não haveria qualquer bondade, e o ser é ainda mais puro do que a bondade. Deus não é bom, nem melhor, nem o melhor de todos. Quem afirmou que Deus é bom, fez-lhe tanta injustiça, como se dissesse que o Sol era negro."

Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Sermão 15, trad. Fr. José Luís de Almeida Monteiro, Prior Velho: Paulinas Editora, 2009, p. 298. 

Sunday, May 14, 2023

A CORAGEM



"O conselheiro interrompeu-o. 
- Sabe a coragem mais admirável? a de que menos exemplos existem? É aquela de que nos dá uma eloquente mostra a história do aldeão do Danúbio. Sair um homem de um canto retirado da província, um pouco montanhês, e, escudado só da sua boa fé, achar-se de repente no meio de um círculo luzido, ilustrado, elegante, novo para ele, e ousar repetir só aquelas falas rudes que tanto deliciavam o auditório da sua terra; ver o sorriso nos homens, que a seu pesar respeita, e poder ressalvar as suas crenças daqueles sorrisos; sentir o ridículo a seu lado, e ousar fitá-lo; ferirem-lhe os ouvidos, a cada passo, as vozes sedutoras da moral elegante e fácil que hoje domina, e conservar-se fiel à austera e rude moral que lhe falava entre o rumorejar das folhas da sua aldeia nas longas horas de vigília e de estudo, que lá teve; cair embora, mas cair fiel à consciência, como um leal cavaleiro da Idade Média caía pela dama de quem trazia a divisa; é uma espécie de luta, para que não abundam lidadores. E nem sempre se deve lançar o labéu de traidores aos que mentem à sua antiga profissão de fé. A maioria cede com boas intenções. O perigo está em chegar a persuadir-se de que as suas convicções eram sonhos, em perder o amor às utopias. Eu confesso que só quando aqui estou é que sinto avivar, debilmente, o amor que noutro tempo lhes tive."


Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto: Livraria Simões Lopes, 1948, pp. 221-222. 

Saturday, May 13, 2023

OPERAR


 "Cada coisa opera no (seu) ser; nenhuma coisa pode operar para além do seu ser. O fogo pode operar na madeira como nenhures. Deus opera acima do ser na imensidão, onde Ele se pode mover; Ele opera no não-ser. Ainda antes de haver ser, já Deus operava; Ele operava ser, quando ainda não havia o ser. Mestres de entendimento rude, dizem, que Deus é um ser puro; Ele está tão acima do ser, como o anjo supremo está acima de um mosquito. Quando eu designo Deus como um ser, estarei a dizer algo igualmente tão incorrecto, como se dissesse que o Sol era branco ou negro. Deus não é uma coisa nem a outra." 


Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Sermão 15, trad. Fr. José Luís de Almeida Monteiro, Prior Velho: Paulinas Editora, 2009, p. 297. 

Friday, May 12, 2023

PERMANECENTE


"Quando nós tomamos Deus no ser, então tomamo-lo  no seu pórtico, porque o ser é o seu pórtico no qual Ele habita. Mas onde então está Ele no seu templo, no qual resplandece como sagrado? O intelecto é o templo de Deus. Nenhures habita Deus mais autenticamente do que no seu templo, o intelecto, como disse aquele outro Mestre: Deus é um intelecto que vive unicamente no conhecimento de si mesmo, permanecente apenas em si mesmo, aí, onde nunca nada o tocou; pois aí Ele é sozinho no seu sossego, Deus conhece-se a si mesmo no seu conhecer-se a si mesmo."

Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Sermão 15, trad. Fr. José Luís de Almeida Monteiro, Prior Velho: Paulinas Editora, 2009, p. 299. 

Thursday, May 11, 2023

ESSÊNCIA

 



"A eternidade  não passa de uma abstracção construída a partir do presente real. A infinitude não passa de um grande reservatório de memória ou de aspiração - construído pelo homem. A hora trémula e fugaz do presente - eis a essência do Tempo. A imanência é isto. A essência do universo é a pulsação do Eu carnal, misterioso e palpável. É sempre assim."


D. H. Lawrence, Gencianas Bávaras e outros poemas, versão de João Almeida Flor, Lisboa: Na Regra do Jogo, 1983, p. 17. 

Wednesday, May 10, 2023

JORNADEAR

 



"O leitor provavelmente há de ter jorneado alguma vez; sabe portanto que o grato e quase voluptuoso alvoroço, com que se concebe e planiza qualquer projecto de viagem, assim como a suave recordação que dela guardamos depois, são coisas de incomparavelmente muito maiores delícias do que as impressões experimentadas no próprio momento de nos vermos errantes em plena estrada ou pernoitando nas estalagens, e mormente nas clássicas estalagens das nossas províncias. As pequenas impertinências, em que se não pensa antes, que se esquecem depois, ou que a saudade consegue até doirar e poetizar a seu modo; esses microscópicos martírios, que de longe não avultam, actuam-nos, na ocasião, a ponto de nos inabilitar para o gozo do que é realmente belo. A dureza do colchão em que se dorme, de albardão ou selim sobre que se monta, o tempero ou destempero do heteróclito cozinhado com que se enche o estômago, a lama que nos encrusta até os cabelos, o pó que se nos insinua até os pulmões, o frio que nos inteiriça os membros, o sol que nos congestiona o cérebro, tudo então nos desafina o espírito, que trazíamos na tensão necessária para vibrar perante as maravilhas da natureza ou da arte."


Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto: Livraria Simões Lopes, 1948, pp. 12-13. 

Tuesday, May 9, 2023

A PRÓPRIA (para a memória de Rita Lee)




"Não sou idêntica a mim mesmo
Sou e não sou ao mesmo tempo, no mesmo lugar e sob o mesmo ponto de vista
Não sou divina, não tenho causa
Não tenho razão de ser nem finalidade própria:
Sou a própria lógica circundante"


Ana Cristina César, Um Beijo que Tivesse um Blue - Antologia Poética, selec. e pref. Joana Matos Frias, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005, p. 31.

Monday, May 8, 2023

NOS ALOJAMENTOS DAS ALMAS PERECÍVEIS

 



"Nos alojamentos das almas perecíveis
Ele tem a sua parte. Deus, que distinguiu
Dia do Juízo e morte - cujo pensamento sem data deve mapear
Todo o tempo num só instante e aproximar desígnios distantes entre si,
Sabe que lugar seu é; mas, para nós, os rolos
Estão confinados ao escrutínio da arte.
Algo adivinhamos ou sabemos: alguns espíritos impulsionados
São para as alturas e logo ganham suas auréolas."


Gerard Manley Hopkins, Poesia e Prosa Escolhidas, trad. Mário Avelar, Prior Velho: Paulinas Editora, 2016, p. 19.

Sunday, May 7, 2023

MÃES

 



"O deserto alongava-se até à idade
De uma geração
Nós éramos a única planta das areias
A partida contínua e adiada. Quantos
E quantos passos não estivemos descalços
Procurando nos pés gretados a nesga
Para o regresso
As crianças perguntavam o que era a nata e o leite
Perguntavam se as mães eram semelhantes aos favos
As mulheres calculavam em pensamento
A altura que teriam os filhos entre as árvores
Quando chegassem à terra distante do mel"


Daniel Faria, Poesia, ed. Vera Vouga, 2.ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 204.

Thursday, May 4, 2023

A ANGÚSTIA HUMANA

 



"Irmã Claire: À morte... É difícil fazer-se a representação da morte perante o Senhor da Vida e da Morte.

Irmã Marthe: O Cristo no Jardim das Oliveiras já não era senhor de nada. A angústia humana nunca tinha subido até tão alto, nem há-de voltar a atingir a mesma altura. Cobria tudo o que havia n'Ele, excepto essa ponta da alma onde a divina tentação se tinha consumado.

Irmã Claire: Ele sentiu medo da morte. E tantos mártires que a não receavam..."



Georges Bernanos, Diálogos das Carmelitas, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Sistema Solar, 2019, p. 113.

Tuesday, May 2, 2023

ESTA TERRA

 


"Deste modo, durante muito tempo julguei que esta terra onde não nasci fosse tudo o que havia no mundo. Agora que vi realmente o mundo e que sei que é formado por tantas pequenas aldeias, não sei se em rapaz me enganava muito."


Cesare Pavese, A Lua e as Fogueiras, trad. Manuel de Seabra, Porto: Público Comunicação Social, 2002, p. 8. 

Monday, May 1, 2023

MEU CÉU

 



"Minhas orações devem encontrar um céu de bronze
E fracassar e dispersarem-se por aí.
Impuras e aparentemente imperdoáveis
Às minhas orações dificilmente chamo orar.
Não consigo fazer chegar mais alto meu coração;
Mais alto não consigo conquistar uma entrada.
Embora desvende precedentes do amor,
Não deixo de sentir o longo sucesso do pecado.

Meu céu é de bronze e de ferro minha terra:
Sim, ferro mistura-se com meu barro,
Tão endurecido está nesta aridez
Que a oração não consegue dissipar.
Nem lágrimas, nem lágrimas este barro rude
Poderia moldar, se lágrimas houvesse.
Uma batalha de meus lábios verdade seja,
Batalhando com Deus, é agora a minha oração."


Gerard Manley Hopkins, Poesia e Prosa Escolhidas, trad. Mário Avelar, Prior Velho: Paulinas Editora, 2016, p. 18.