Wednesday, July 29, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 8


"Não existe num verso nada de útil à salvação do mundo.
O poema não pode ter mais do que uma casa, paredes
caiadas de branco, os azulejos a rebaterem o sol contra
a sombra, dizendo-lhe o seu lugar. O poema é o meu pai

em sofrimento na cama do hospital, as mãos inúteis que
lhe afagam a dor, estas mãos tão inúteis percorrendo os
versos ao som das palavras. O poema é circunstância de lugar

em imagens atiradas ao chão, reduz à sombra o sol. A casa
essencial, a do poema, memória e salvação de um homem.
O mundo é útil de poesia. Todos os versos são possíveis."



Jorge Reis-Sá, Biologia do Homem, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, p. 13.

Thursday, July 23, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 7



"Leonor:
Nunca lamentes, Princesa, esse dia!
Distinguir o que é nobre é um privilégio
Que nunca ninguém nos irá roubar!


Princesa:
Mas há o perigo do que é belo e perfeito!
Como uma chama, tão útil quando arde
Na tua lareira, te ilumina o caminho
No archote que empunhas. Que beleza!
Assim, quem quer, quem pode recusá-la?
Mas se, não vigiada, ela devora
O que a rodeia, que mal pode causar!
Deixa-me agora. Falo de mais, devia
Esconder também de ti minha fraqueza!



Johann Wolfgang Goethe, Torquato Tasso, trad. João Barrento. Lisboa: Relógio D'Água, 1999, 1837-1848, p. 99.

Tuesday, July 21, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 6



"Sim, bem sei que o tablado em que figuro
Longe está bem de mim léguas e léguas.
Minhas pupilas viam longe... e eu cego-as;
Mas sei que finjo achar o que procuro.

Sei que o meu sonho é imenso e anseia ar puro,
Mas, no meu gabinete, o meço a réguas.
Sei que devo aguardar, velar sem tréguas,
Mas busco o sono e embrulho-me no escuro.

Sei que este meu aspecto dúbio, fez-mo
A vida em que o meu Ser supremo e belo
E os meus gestos indómitos não cabem.

Sei que sou a paródia de mim mesmo.
Sei tudo... E para quê?, porquê sabê-lo?
Viver é entrar no rol dos que o não sabem!"


José Régio, de "Biografia", in Não Vou Por Aí! - Antologia Poética, selec. e org. de Isabel Cadete Novais, 3ª edição. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2001, p. 37.

Saturday, July 18, 2009

A ESPERANÇA SORRI AO ESFORÇO CORAJOSO



"Ali estava eu, num terraço, apoiado a uma balaustrada; a meus pés, um abismo que não podia sondar, mas donde subia um rumor incessante de vagas; o oceano estendia até ao horizonte as suas ondas verdes que passavam a azul-escuro; tudo se adoçava ao longe e se velava de transparentes vapores. Uma faísca de oiro brilhou na linha que separava a água do céu: cresceu, pouco a pouco, aproximando-se; quando chegou abaixo do arco-íris, a estrela transformou-se, dir-se-ia que pairava no espaço, e que um aéreo tecido coberto de pérolas boiava à sua volta. Coloriu-se de rosa o que me pareceu um rosto; a faísca de oiro brilhou intensamente sobre a fronte de um anjo; um braço luminoso como um raio apontou o arco-íris, e ouvi uma voz murmurar ao meu coração:
«A esperança sorri ao esforço corajoso.»"


Charlotte Brontë, O Professor, tradução de Adolfo Casais Monteiro, 3ª edição. Lisboa: Inquérito, s.d., p. 234.

Wednesday, July 15, 2009

MAIOR QUE A VIDA



"Aquela que tanto amou
O sol e o vento da canção
Agora jaz no silêncio terrestre
Oculta na ressurreição

Porque em seu viver nascia
Porque estando era procura
Sua imagem permanece
Não passada mas futura

Sempre que rio e confio
E passo além do meu pranto
A sua presença irrompe
Erguida em nós como canto

Aquela que agora jaz
Como semente no chão
Ergue no vento seu riso
Transpõe a destruição"


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Lisboa: Editorial Caminho, 2004, p. 75.

Sunday, July 12, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 5

"Todos ignoram!, - tornou com vivacidade quase dolorosa - todos fingem ignorar que as grandes criações da literatura e da arte não são imediatamente para todos! são até para muito poucos, se se trata de profundamente as compreender na sua riqueza, na complexidade das suas intenções obscuras... E felizmente! felizmente que assim é. Tal compreensão implica uma superioridade que se paga muito caro... que se paga até com o que chamam doença e loucura. É preciso ter descido aos infernos... guardado segredos... sentir-se tão só no universo como os próprios criadores mais excêntricos..."


José Régio, A Velha Casa II - Os Avisos do Destino. Lisboa: IN-CM, 2003, pp. 166-167.

Saturday, July 11, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 4




"Esta é a tua hora, ó Alma, o teu voo livre para o indizível,
Longe dos livros, da arte, acabado o dia, terminada a lição,
Donde emerges totalmente silenciosa e contemplativa para meditar
nos temas que mais amas:
A noite, o sono, a morte e as estrelas."


Walt Whitman, Folhas de Erva, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 428.

Friday, July 10, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 3



"Para que servem os portais conhecidos senão para subir e entrar
no Desconhecido?
E para que servem os da vida senão para a Morte?"


Walt Whitman, Folhas de Erva, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 440.

Sunday, July 5, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 2

"Numa cena perfeitamente real, como era a da entrada de António Clara na casa dos Albergaria, havia uma outra dimensão pronta a revelar-se mas que era mantida em segredo através de mil encantos, subterfúgios e até danos. Podia passar uma vida inteira e os factos não sofriam qualquer mudança. E, no entanto, havia uma informação de que eles não correspondiam à verdade. Sabia António que aquela mulher envelhecida e lúgubre era a sua verdadeira mãe? O mundo funciona por meio de sortilégios desencadeados em volta do não-dito. O não-dito é mais forte do que todo um arranjo de coisas fáceis de transmitir e que formam uma cadeia entre as pessoas, mas uma cadeia pronta a ser quebrada. O que a torna suportável, o que funciona como um acordo entre toda a gente, é saber-se que não há nada de muito duradouro e que os sentimentos e os hábitos deles não correspondem a nada de muito importante. Para compensar as criaturas dessa indiferença inóspita que se gera até no mais sagrado dos laços humanos, os céus criaram uma espécie completamente indecifrável e cujo poder está na desinteressada vontade de destruição. É muito raro que ela seja reconhecida na terra e, se for humilde de condição e sem qualquer força para se elevar acima da sua insignificância social, ninguém se aperceberá que ela existe."

Agustina Bessa-Luís, O Princípio da Incerteza - Jóia de Família. Lisboa: Guimarães Editores, 2001, pp. 39-40.

Thursday, July 2, 2009

PRINCÍPIOS DE INCERTEZA 1


"247. Como seria duvidar agora de que tenho duas mãos? Porque será que não o posso imaginar de modo algum? Em que acreditaria, se não pudesse acreditar nisso? Até agora não tenho sistema algum que pudesse incluir essa dúvida.

248. Cheguei ao fundo das minhas convicções.
E poderia praticamente dizer-se que estes alicerces são suportados pelo conjunto da casa.

249. As pessoas dão a elas próprias uma imagem falsa da dúvida."



Ludwig Wittgenstein, Da Certeza, trad. Maria Elisa Costa. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 77.