Monday, April 30, 2012

PARA A., COM HUMOR AND WITT

(Lucas Cranach, Kunsthistorisches Museum, Viena)

"Escuchen qué cosa y cosa
tan maravillosa, aquesta:
un Marido sin mujer,
y una casada Doncella.

Un Padre, que no ha engendrado
a un Hijo, a quien Otro engendra;
un Hijo mayor que el Padre,
y un Casado con pureza.

Un hombre, que da alimentos
al mismo que lo alimenta;
cría al que lo crió, y al mismo
que lo sustenta, sustenta.

Manda a su propio Señor,
y a su hijo Dios respeta;
tiene por Ama una Esclava
y por Esposa una Reina.

Celos tuvo y confianza,
seguridad y sospechas,
riesgos y seguridades,
necesidades y riquezas.

Tuvo, en fin, todas las cosas
que pueden pensarse buenas;
y es, en fin, de María esposo,
y de Dios, Padre en la tierra."

Soror Juana Inés de la Cruz, "Romance de San José", in Poesía Lírica / El Divino Narciso, Barcelona: Edicomunicación, 1994, pp. 44-45.

Sunday, April 29, 2012

CLAMOR


"É preciso falar-se das criaturas,
verdadeiras criaturas animadas,
das vivências totais, arbítrio e tudo,
alma, corpo funesto e essa imortal

perpetuidade além, Deus nas alturas,
nomes de terra e nomes eternados,
anjos, demônios, sonhos acordados
e as profecias, fúrias, posses, tudo

que um poema pode ter: êsse clamor,
essa indefinição, êsses apelos,
- sonho de rei Nabucodonosor,

que depois de refeito e decifrado
é a condição do bicho: carne, pêlos,
e sangue breve do homem desgraçado."
Jorge de Lima, "Invenção de Orpheu", in Antologia Poética, selecç. Paulo Mendes Campos, Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1969, p. 156.

Saturday, April 28, 2012

MEPHISTO



"Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados,
pois eles vivem no âmbito intranqüilo
em que se agitam os seres ignorados.

No meio de desertos habitados
só êles é que entendem o sigilo
dos que no mundo vivem sem asilo
parecendo com êles renegados.

Êles possuem, porém, milhões de antenas
distribuídas por todos os seus poros
aonde aportam do mundo suas penas.

São os que gritam quando tudo cala,
são os que vibram de si estranhos coros
para a fala de Deus que é a sua fala."

Jorge de Lima, "Sonetos", in Antologia Poética, selecç. Paulo Mendes Campos, Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1969, p. 122.

Friday, April 27, 2012

A VIDA



"A vida é como esta namorada. Imaginamo-la e amamo-la só de imaginá-la. Não vale a pena tentarmos vivê-la; como o garoto, atiramo-nos para a estupidez, não de repente, porque tudo na vida se vai degradando insensivelmente. Ao cabo de dez anos, não reconhecemos já os sonhos, renegamo-los, vivemo-los, tal como um boi diante da erva que pasta no momento presente. E, das nossas núpcias com a morte, quem sabe se poderá nascer a nossa imortalidade consciente?"
Marcel Proust, Os Prazeres e os Dias, trad. Manuel João Gomes, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2010, p. 116.

Thursday, April 26, 2012

SOBRE LISBOA, MUTATIS MUTANDIS


"Rey - Es buena tierra Lisboa?

Don Gonzalo - La mayor ciudade de España;
y si mandas que diga lo que he visto
de lo exterior y célebre, en un punto
en tu presencia te pondré un retrato.

Rey - Yo gustaré de oíllo. Dadme silla.

Don Gonzalo - Es Lisboa una otava maravilla.
De las entrañas de España,
que son las tierras de Cuenca,
nace el caudaloso Tajo,
que media España atraviesa.
Entra en el mar Oceano,
en las sagradas riberas
de esta ciudad, por la parte
del sur; mas antes que pierda
su curso y su claro nombre,
hace un puerto entre dos sierras,
donde están de todo el orbe
barcas, naves, carabelas.
Hay galeras y saetías
tantas, que desde la tierra
parece una gran ciudad
adonde Neptuno reina. (...)"
Tirso de Molina, El Burlador de Sevilla, Madrid: Santillana Ediciones/El País, 2005, pp. 45-46.

À VILA DE MADRID, EM QUATRO LÍNGUAS E A RESPETIVA REFUTAÇÃO


"Filia Babylonis, misera, iniqua,
Che d'alta madre pia degenera,
Amas la falsa y aborreces la vera,
Ta volonté toujours est veneriqua.

Quae solum carnis languidae es amica,
Non sará per te sempre primavera:
Que esperas más? pues Dios tanto te espera
À ton laid corps et à âme non pudica.

Turpitudini immersa, luxui, coeno,
Esci del fango, cieca, neghittosa,
Levanta el alma al prado solo ameno.

Circumdata aqua et igne, desidiosa,
Temi già nel tuo foco o carne e fieno
La mano de Dios justa en toda cosa."

André Falcão de Resende, in Poesia Maneirista, apres. Isabel Almeida, Lisboa: Editorial Comunicação, 1998, p. 100.

Wednesday, April 25, 2012

VÁRIOS TEMPOS VAI MOSTRANDO


"De tempo em tempo tudo vai andando,
O tempo sem pôr tempo vai correndo,
Sem tempo não se vão os tempos vendo,
Por tempo o tempo vai profetizando.

Do tempo o tempo só pode ir falando,
A tempo se pode ir o tempo erguendo,
C'o tempo se vão tempos entendendo,
Que o tempo vários tempos vai mostrando.

Nunca o tempo perdido é mais cobrado,
Que se o tempo nos tira o que é presente,
Mal pode dar o tempo o que é passado.

O tempo gaste bem todo o prudente,
Que se o tempo que passa é bem gastado,
Todo o tempo passado tem presente."

Baltesar Estaço, in Poesia Maneirista, apres. Isabel Almeida, Lisboa: Editorial Comunicação, 1998, p. 123.

Tuesday, April 24, 2012

FORÇAS


"De cuando en cuando salgo de la penumbra de mis vigilias y veo uma vez más, por espacio de un instante, la luz de la luna llena sobre el borde plegado de mi manta, pesada, brillante, como una gran piedra plana, para volver a partir ciegamente en la búsqueda vacilante de mi conciencia que se desvanece, buscando sin pausa esa piedra que me atormenta, quizás escondida en alguna parte entre los escombros de mis recuerdos y que recuerda un trozo de grasa.
Pienso que en otro tiempo un desagüe pluvial - doblado en ángulo obtuso, los bordes carcomidos por la herrumbre - debía desembocar en el suelo junto a ella, y me esfuerzo en hacer brotar por la fuerza su imagen en mi mente, para engañar mis pensamientos sobresaltados y hallar la tranquilidad del descanso."

Gustav Meyrink, El Golem, trad. Alaric Dukass, 2ª ed., Barcelona: Plutón ediciones, 2012, p. 14.

Monday, April 23, 2012

CRIME E PORTA



"Quando ela lhe falava, e sobretudo quando ela insistia, precisava não se deixar distrair pelas palavras que ouvia: ou logo, no fio interrompido das ideias que continuamente deslizavam como um rio revolto, se abria um vácuo tenebroso, um vórtice sombrio em que flutuavam farrapos de versos e de coisas vistas, e, mais no fundo, como que uma pequenina porta iluminada, ou um vidro posto sobre estranhas águas em que nadavam esquisitos seres, e que parecia um olho fito nele, pestanejando ou palpitando, não sabia bem, talvez que, sim, nem mesmo um olho, mas uma transparência marinha como os reflexos das ondas ao luar. A pequenina porta, que lhe fazia vertigens, nem sempre se mostrava. Na maior parte das vezes não havia mais que o poço em que se debruçava, ansioso de que a portinha se abrisse e tremente até ao arrepio pela frialdade que dela vinha."
Jorge de Sena, "Super Flumina Babylonis", in Antigas e Novas Andanças do Demónio, 5ª ed., Lisboa: Edições 70,1989, p. 156.

Sunday, April 22, 2012

CRIADAS DE ESTALAGEM


"A ambição embebeda mais do que a glória; o desejo dá flor, a posse faz marchar tudo; vale mais sonhar a vida do que vivê-la, ainda que vivê-la seja também sonhá-la, mas de uma forma a um tempo mais misteriosa e menos clara, sonhá-la obscura e grosseiramente, assim como um sonho esparso na fraca consciência dos animais que ruminam. As peças de Shakespeare são mais belas se forem vistas na câmara de trabalho do que representadas no teatro. Os poetas que criaram as enamoradas imperecíveis só conheceram, as mais das vezes, medíocres criadas de estalagem, ao passo que os voluptuosos mais invejados não sabem conceber a vida que levam ou, melhor dito, que os leva."
Marcel Proust, Os Prazeres e os Dias, trad. Manuel João Gomes, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2010, p. 115.

Saturday, April 21, 2012

SOBRENATURAL


"«- Amei-o muito, mas concedi-lhe pouco, meu pobre amigo - diz-lhe ela.
- Que me diz, Oliviana? Que me concedeu pouco? Deu-me tanto que era mais do que eu pedia e muito mais na verdade do que se os sentidos tivessem parte na nossa ternura. Sobrenatural como uma madona, terna como uma ama, adorei-a enquanto me embalava. Queria-lhe com uma afeição cuja sageza sensível nenhuma esperança de prazer carnal vinha desconcertar. Não me trazia em troca uma amizade incomparável, um chá delicioso, uma conversação naturalmente ornada e tantos ramos de rosas acabadas de colher? Só as suas mãos maternais e expressivas souberam refrescar a minha fronte a arder em febre, derramar mel nos meus lábios murchos, trazer à minha vida imagens nobres.
Amiga querida, dê-me as suas mãos, para lhas beijar...»"
Marcel Proust, Os Prazeres e os Dias, trad. Manuel João Gomes, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2010, pp. 24-25.

Friday, April 20, 2012

ANIMUM


"Estabelezco que el ánimo ante todo,
a quien inteligencia de ordinario
llamamos, en el cual está asentado
el consejo y el regímen de vida,
es una parte real de nuestro cuerpo,
como los pies y manos y los ojos;"
Lucrécio, De la Naturaleza de las Cosas (De Rerum Naturam), trad. Abate Marchena, 7ª ed., Madrid: Cátedra, 2010, III, vv. 132-137.

Thursday, April 19, 2012

TRÊS PROPOSIÇÕES KAFKIANAS


"Temos o conhecimento. Quem se esforça particularmente por atingi-lo, é suspeito de se esforçar contra ele.

Antes de penetrares no Santo dos Santos, deves deixar os sapatos, não somente os sapatos, mas tudo, fato de viagem e bagagens, depois a tua nudez e tudo o que se esconde debaixo da nudez, depois o núcleo dos núcleos, depois o resto e depois ainda a aparência do inextinguível fogo. Só o fogo é absorvido pelo Santo dos Santos e deixa-se absorver por ele, não podendo nenhum dos dois resistir a tal.

Para a queda original havia três castigos possíveis: o mais doce, que de facto se consumou, a expulsão do Paraíso; o segundo: a destruição do Paraíso; o terceiro: - e esse teria sido o castigo mais terrível - a inacessibilidade da vida eterna, deixando imudado o resto das coisas."

Franz Kafka, Antologia de Páginas Íntimas, trad. Alfredo Margarido, 3ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 2002, p. 168.

Wednesday, April 18, 2012

A VONTADE HERÓICA (RECTA)


"Conquista pois sozinho o teu futuro,
Já que os celestes guias te hão deixado,
Sobre a terra ignota abandonado,
Homem - proscrito rei - mendigo escuro!

Se não tens que esperar do céu (tão puro,
Mas tão cruel!) e o coração magoado
Sentes já de ilusões desenganado,
Das ilusões do antigo amor perjuro;

Ergue-te, então, na majestade estóica
Duma vontade solitária e altiva,
Num esforço supremo de alma heróica!

Faze um templo dos muros da cadeia,
Prendendo a imensidade eterna e viva
No circulo de luz da tua Ideia!"
Antero de Quental, Sonetos Completos, Porto: Lello & Irmão, 1983, p. 122.

Tuesday, April 17, 2012

VAZIO OU O LOCATÁRIO


"En general los seres son activos;
o bien a la acción de otros se sujetan,
o bien el movimiento proporcionan,
y la existencia, pues los cuerpos solos
pueden ser o activos o pasivos:
sólo el vacío puede darles sitio:
luego no existe en la naturaleza
más que los cuerpos dichos y el vacío:
no pueden alcanzarlo los sentidos,
ni el espíritu humano comprenderlo."
Lucrécio, De la Naturaleza de las Cosas (De Rerum Naturam), trad. Abate Marchena, 7ª ed., Madrid: Cátedra, 2010, I, vv. 581- 590, p. 109.

Monday, April 16, 2012

A PROCURA DO MAIOR BEM


"Ora nestas coisas e noutras semelhantes se esgota a orientação dos actos e desejos humanos, tal como a nobreza e o favor popular, que parecem assegurar uma espécie de glória; a esposa e os filhos, que se procuram por causa do prazer. Só os amigos, espécie de facto santíssima, é que são considerados como pertencendo ao âmbito não da Fortuna, mas da virtude. Todas as outras relações humanas são estabelecidas ou por causa do poder ou por causa do deleite. Já os bens do corpo se está mesmo a ver que têm relação com as coisas precedentes. Com efeito, a força e o tamanho são condições para se ter capacidade física; a beleza e a velocidade, fama; a saúde, o prazer. É óbvio que através de todas estas coisas é só a felicidade que se procura. Na verdade cada um procura antes de mais aquilo que julga ser o maior bem. Ora nós definimos o maior bem como sendo a felicidade, por isso toda a gente pensa que a condição que deseja mais do que todas as outras é aquela que lhe traz a felicidade."

Boécio, Consolação da Filosofia, trad. Luís M.G. Cerqueira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 80.

Sunday, April 15, 2012

PRIMITIVO


"As raças humanas são uma só, em várias cores. E as próprias cores são uma só em vários tons, de tal modo o singular é alma do plural."

Teixeira de Pascoaes, Pensamentos e Máximas, selecç. e apresentação de António Cândido Franco, Maia: Cosmorama Edições, 2010, p. 155.

Saturday, April 14, 2012

PRINCIPIA


"A nuestros raciocinios ya volvamos:
estriba, pues, toda naturaleza,
en dos principios: cuerpos y vacío
en donde aquéllos nadan y se muevem:
que existen cuerpos, el común sentido
lo demuestra; principio irresistible
sin el cual la razón abandonada
de errores en errores se perdiera.
Si no existiera, pues, aquel espacio
que llamamos vacío, no estarían
los cuerpos asentados, ni moverse
podrían, como acabo de decirte."
Lucrecio, De la Naturaleza de las Cosas, trad. Abate Marchena, 7ª ed., Madrid: Cátedra, 2010, vv. 557- 568, p. 108.

Wednesday, April 11, 2012

REBAIXAR



"O que acontece com alguma razão, pois esta é a condição da natureza humana: quando se conhece suplanta tudo o mais, mas ela mesma é rebaixada a um nível inferior ao dos animais, se deixar de se conhecer a si própria. Na verdade, para os outros animais é próprio da natureza ignorarem-se a si mesmos, mas para os homens isso só acontece por erro."
Boécio, Consolação da Filosofia, trad. Luís M.G. Cerqueira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 63.

Tuesday, April 10, 2012

CONVÍVIO



"Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante,
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la connosco.

Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que os nossos atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais ténue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados.

Há que renunciar a toda a procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é a nossa condição, enquanto,
sem condição, transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.

Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiam."

Carlos Drummond de Andrade, "A família que me dei", in Antologia Poética, 2ª edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 91-92.

Monday, April 9, 2012

LIBERTAÇÃO


"Aquele que sereno, com  a vida ordenada,
calcou aos pés o Fado soberbo
e, contemplando a pé firme uma e outra Fortuna,
foi capaz de meter o rosto invicto,
a esse não o perturbarão nem as ameaças
nem a fúria do mar
que revolve por completo o turbilhão das vagas
nem o instável Vesúvio sempre que,
destruindo as fornalhas,
expele os seus fogos fumegantes
ou a trajectória do ardente raio
que muitas vezes atinge as altas torres.
Porque será que os infelizes tanto admiram
os cruéis tiranos,
que sem poder se enfurecem?
Nada esperes e nada temas;
desarmarás a ira do homem desenfreado.
Mas quem quer que, hesitante, teme ou deseja,
por não ser firme senhor de si mesmo,
lança fora o escudo e, posto em debandada,
forja as cadeias com que será arrastado."

Boécio, Consolação da Filosofia, trad. Luís M.G. Cerqueira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 26.