Friday, September 30, 2011

MORIA 7, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"Quando se era novo, o barco assemelhava-se a um ser orgânico fantástico, que se alongava no mar como por coragem perante o impossível. O pescador novo percebia as águas com um medo expectante, e o trabalho, a violência do trabalho, anestesiava um pouco a espera pelo adamastor. O ondular das águas, em cumplicidade com a réstia de luz que a lua fazia, previa figuras que espreitavam submersas, ao longe e ao perto, em visita. O pescador novo trabalhava aprendendo que a companhia era ilusória e que o impossível diminuía porque a realidade crescia e banalizava até o medo maior. Até que fosse medo nenhum. O Crisóstomo pensou que a sua vida era já uma conquista grande de monstros de toda a espécie. Lembrou-se da estranheza das noites na água, a estranheza que a escuridão incute nos objectos quando, por distracção ou demasiado olhar, se tornavam desconhecidos e se revestiam de maravilha ou terror."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 149.

Thursday, September 29, 2011

MORIA 6, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"O rapaz pequeno crescia semeado com boa esperança. Certamente seria terreno farto aquele lugar, a nutrir a aprendizagem necessária, o afecto necessário. Assim o pensou o Crisóstomo quando espiou o Camilo na sua quotidiana tarefa de pousar os livros, pegar nos cadernos, preparar-se para todas as matemáticas da escola. Perguntou-lhe: que é esse ar desconfiado. O rapaz respondeu: sono. Um sono desconfiado, perguntou outra vez o pescador. Ando cá a pensar, disse o Camilo. Em quê. Nas pessoas. No que dizem. No que dizem e no que é verdade. Por vezes é diferente. Pode não ser mentira, mas apenas uma maneira diferente de acreditar."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 131.

Wednesday, September 28, 2011

MORIA 5, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"O susto de um homem importa mais que mil sustos de mulher.
A vizinha não reconfortava a Matilde em nada. Tinha uma sachola, se fosse com ela, arrancava a cabeça ao miúdo, metia-o num buraco grande no fundo do campo e depois de dois dias ia fazer de conta que alguém o levara para o Brasil. Dizia: andam aí a chegar brasileiros por todo o lado, devem fartar-se de roubar gente para trabalhar de graça como escravos. Se estiverem escravizados, também não pensam em mais nada. E se fizerem asneira, levam no lombo. Se forem uns porcos, abatem-nos e não os choram. A Matilde suspirava, lavava as roupas e as louças do Antonino e, de cada vez que uma faca lhe passava pelas mãos, pensava em mandá-lo embora antes que fosse tarde de mais. Um rapaz sem pai não tinha valentia. Que valesse ao menos para não envergonhar ninguém. Era uma coisa tão pouca de se fazer. Tão pouco de se esperar e pedir. Guardava as facas a tremer. Em cada faca nascia uma boca e todas as bocas diziam que o matasse. A Matilde, sozinha por casa, ouvia sempre o mesmo.
Contudo, como no ditado popular, quem não tem filhos cada dia mata cem, pensava a Matilde. Ter um filho feito, ainda que em grande nojo ali levantado, era muito outra coisa. Não era uma retórica. Dizer era muito fácil. Fazer ficava reservado para heróis e gente com grandes sortes."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, pp. 108-109.

Tuesday, September 27, 2011

MORIA 4, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"Enjeitada e diminuida, a Isaura envergonhava-se de ter um dia oferecido tudo ao amor, mesmo sabendo que o amor era longe de bom, mesmo sabendo que era sexo e espera, a Isaura sentia que esperara demasiado e por ilusão, por estupidez. Estava sempre sozinha, e para sempre era quase uma impossibilidade, por isso pensava que a sua vida se encurtaria para lhe tirar todo e qualquer direito de ser de outro modo, de ser outra. A Maria, calada, já não lhe berrava nem instruía de coisa nenhuma. A Maria não pensava muito na Isaura. Viviam cada uma para seu lado, a coincidirem em momentos muito definitivos que, numa sobrevivência instintiva, as punha como mãe e filha à mesma mesa e mais nada. De certo modo, ambas pareciam esgotadas do tempo prematuramente. Como esses mortos cujas almas se esqueceram de partir. Iguais."

valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, pp. 61-62.

Monday, September 26, 2011

MORIA 3, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"O Crisóstomo respondeu que não lhe faltava nada, estava inteiro. E o rapaz pequeno disse-lhe que então ele devia passar a ser o dobro. Ser o dobro, disse. O pescador abraçou-o de encontro ao peito. Era o seu filho génio, o que sabia matemática e que sabia fazer caldo verde e domesticar os cães como ninguém. Era o seu filho génio, com as palavras que lhe faltavam, talvez com a coragem que lhe faltava. E o homem sorriu. O pescador sorriu, acabando de redobrar a esperança e julgando que outra vez poderia arriscar o amor.
À noite, sozinho diante da sua casa, o mar todo apaixonado por si, o homem que chegou aos quarenta anos sentou-se novamente diante da inteligência toda da natureza. Estava ainda de coração partido, porque falhara nos amores e os amores podiam ser tão complicados, mas havia ficado mais forte, agora.
Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz."

valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 25.

Sunday, September 25, 2011

MORIA 2, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"O homem que chegou aos quarenta anos sorriu e, pela primeira vez em toda a sua vida, abraçou um colega de trabalho. O rapaz pequeno não soube o que pensar. Depois, enquanto preparavam as redes, o pescador perguntou-lhe se não gostava da escola, se não gostava de estudar. E o rapaz disse que sim, que até era bom a matemática. O pescador pensou que o seu filho seria uma raridade das boas, porque ninguém percebia de matemática, só os génios. O Crisóstomo, uns segundos antes de o dizer, pensou que aquele era o seu filho e pensou que o seu filho era um génio. E assim o pensaria de qualquer maneira, uma vez que amar fazia dessas grandezas. Amar era feito para ser uma demasia e uma maravilha. E a natureza nunca seria burra. A natureza, estava claro, entendia e fazia tudo. Sabia tudo. O pescador teve a certeza."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 22.

Saturday, September 24, 2011

MORIA 1, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm



"A certa altura, abraçou mais forte o boneco, encolhendo-o até por o espremer de encontro ao peito, e acabou chorando muito, mas não chorou sequer metade das lágrimas que tinha para chorar. Achando que tudo era ausência, achava também que vivia imerso, como no fundo do mar. Pensava em si como um pescador absurdamente vencido e até a idade lhe parecia maior."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 16.

Thursday, September 22, 2011

APONTAMENTO


"Teria sido difícil dizer em tão poucas palavras mais verdade e falsidade do que há nesta sentença: «Quem se delicia na solidão ou é um animal selvagem ou um deus.»"
Francis Bacon, Ensaios [Ensaios da última edição, 1625], trad. Álvaro Ribeiro, 3ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1992, p. 104.

Wednesday, September 21, 2011

MERGULHO (em memória de Júlio Resende)


"Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo.
Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite?
Por que agoniza morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia?"

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Morto", in  Obra Poética I, Lisboa: Editorial Caminho, 1992, p. 313.

Tuesday, September 20, 2011

FILME


"A impiedosa recordação das vergonhas, das traições, dos medos, das covardias, dos momentos que ficam indelevelmente gravados para o que parece uma eternidade e é apenas o pouco que dura a vida. A memória, ecrã onde se sobrepõem os vários filmes da nossa existência, transtornando a confortável noção que nos habituámos a ter do tempo, do espaço e de nós próprios."
J. Rentes de Carvalho, La Coca, 4ª ed., Lisboa: Quetzal, 2011, pp. 15-16.

Monday, September 19, 2011

NOVAS ÁGUAS - SUITE


"debruça-se interior e calmamente
para o corpo do rio    e também pensa
não só a ideia de ser flor e não
estrela ou emoção
sob o pequeno esquema natural
que a envolve e a consente"
Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Lisboa: Assírio & Alvim/editores Independentes, 2008, p. 53.

Sunday, September 18, 2011

NOVAS ÁGUAS


"no cais
vaga uma luz
sombria
desde que o dia
se perdeu
uns dizem que é a noite
a noite e nada
outros não sabem que dizer
e dormem e sonham e desmentem
o sonho que dormiram
a minha alma, calada,
também não diz quem é
a alma dessa sombra
que talvez seja só
luz do anoitecer
e deixa-se prender
em movimento de água
fluir e refluir
que a maré tem
com velha indiferença
e no entanto
ela é como que a mãe
de coisas e seres
porque a todos molha
e vem
indistinta corrente
a quem
pouco importa ter alma ou ser gente
a luz do dia
não sai já, também,
emersa na água escura
múrmura, oleosa, ela
que o céu tem?
não é já sem vida
toda a abstracção
ou pensamento
que a quisesse guardar?
só o fluxo contínuo
do rio que sustêm
as inflexões do vento
busca o mar
e encontra-o
num mudo entendimento
alheio
à graça desavinda de falar
não seja embora
essa casta harmonia
uma harmonia humana
nem o resto de água
saiba
que a morta luz do cais
é indicação vaga
de outra luz que raiou
e de outra hora."

Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Lisboa: Assírio & Alvim/editores Independentes, 2008, pp. 15-16.

Saturday, September 17, 2011

CONFIAR EM SERES AQUÁTICOS?


" - Parai de vos rirdes de mim, rapaziada - gritei. - Não estais recordados do que aconteceu ao rapazinho negro na história egípcia que se riu do pai quando ele, por engano, disse as orações da noite em vez das da manhã? O crocodilo comeu-o; portanto, tende cuidado."
Robert Graves, Cláudio, o Deus, trad. Maria de Lourdes Medeiros, Mem Martins: Lyon Multimédia Edições, 2004, p. 260.

Friday, September 16, 2011

PROMOÇÕES NATALÍCIAS


"Um dia acorda-se e o abismo é berço,
E o diabo mais do que um irmão.
Todo o desvio tem o seu preço."

Luiza Neto Jorge, "Postais Antigos", in Poesia, org. Fernando Cabral Martins, Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 248.

Wednesday, September 14, 2011

AS PESSOAS ESTÃO A TORNAR-SE MÁS


"O desespero, alimentando-se preconcebidamente das suas fantasmagorias, conduz imperturbavelmente o literato à revogação em massa das leis divinas e sociais e à maldade teórica e prática. Numa palavra, faz predominar o traseiro humano nos raciocínios. Vamos, e passai-me palavra! As pessoas estão a tornar-se más, repito, e os olhos tomam a cor dos condenados à morte."

Isidore Ducasse, conde de Lautréamont, "Poesias - prefácio a um livro futuro", in Os Cantos de Maldoror, trad. Pedro Tamen, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, p. 254.

Tuesday, September 13, 2011

ESTE MUNDO MODERNO


"Por infelicidade finjo agir num mundo em que, para conseguir ter em conta as suas sugestões, seria obrigado a passá-las por duas espécies de intérpretes, uns para me traduzirem as suas sentenças, e outros, que é impossível encontrar, para imporem aos meus semelhantes a compreensão que delas teria. Este mundo em que suporto o que suporto (nem queiram ver!), este mundo moderno, enfim, que diabo querem que eu faça dele?"

André Breton, "Primeiro Manifesto", in Manifestos do Surrealismo, trad. Pedro Tamen, 4ª edição, Lisboa: Edições Salamandra, 1993, p. 52.

Monday, September 12, 2011

OS DESEJOS DO SILÊNCIO


" ALINE - Não... eu não queria mas quero. (Estende o braço para ele, ele dá-lhe a garrafa e ela bebe, dando um jeito à roupa que estava descomposta. Ele fica de costas.) Obrigada... muito obrigada. (Pausa.) Não dizes: de nada? Não falas? (Tira os headphones dos ouvidos e volta-se para ela para falar, mas antes que o faça, ela fala primeiro.) Adoro os que não falam. Não fazem barulho. O mundo devia ser dos mudos, dos silenciosos, dos que sussurram, dos que sofrem calados, dos que andam descalços para não dançar flamenco, dos que voam para não pisar o soalho que range, dos que da televisão só querem o botão que diz "mute", que é mudo em inglês. E um inglês mudo consegue ser ainda mais distinto: bebe chá sem o ouvirmos sorver, come scones sem o sentirmos mastigar. O mundo devia ser desses: dos que mordem pela calada sem magoar. (...)"
João Negreiros, Silêncio, Braga: Edições TUM, 2007, p. 11.

Sunday, September 11, 2011

HÁ DEZ, O ONZE


"Atiraram-se dos andares em chamas.
Um dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.

A fotografia deteve-os na vida
e agora preserva-os
sobre a terra rumo à terra.

Cada um ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.

Ainda há tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.

Ainda estão ao alcande do ar,
no âmbito dos lugares
que acabaram de se abrir.

Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
E não acrescentar a última frase."
Wislawa Szymborska, Instante, trad. Elzbieta Milewska e Sérgio Neves, Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2006, p. 71.

Friday, September 9, 2011

DISSE O TURISTA


"- A nossa vida na terra é só um dia, disse o turista, por isso os percursos iniciáticos são falsos, assim como as mortes nunca são iniciáticas. As mortes não passam de mortes."
Miguel Castro Caldas, As sete ilhas de Lisboa, Porto: Ambar, 2004, p. 58.

Thursday, September 8, 2011

OS CONTEMPORÂNEOS


" - mas você não faz outra coisa senão passear
- é verdade, passo a vida a passear, e já nem escrevo os poemas que a minha avó mostrava às amigas orgulhosa de rimarem, sem perceber nada, mas comovida que cuspir rimasse com fugir.
- mas eu tenho aqui uma proposta de trabalho para si, qual é a sua formação?
- Tenho formação em letras.
- Então tenho aqui uma coisa mesmo para si: trabalhar numa casa de fotocópias.
- Obrigado, mas prefiro curar a minha doença, passeando. Enquanto passear, a dinâmica do corpo mantém-se junta, se paro, separa-se tudo, esta cidade, este mundo.
- Mas você tem filhos, é uma grande responsabilidade, o que vai fazer aos filhos?"
Miguel Castro Caldas, As sete ilhas de Lisboa, Porto: Ambar, 2004, p. 19.

Tuesday, September 6, 2011

A LEI NATURAL


"Alguns dias mais tarde, Drusilo estava morto. Foi encontrado atrás de um arbusto no jardim de uma casa em Pompeia, para onde tinha sido convidado, de Herculano, por alguns amigos de Urgulanila. Uma pequena pêra foi encontrada entalada na garganta dele. Foi dito no inquérito que o tinham visto a atirar fruta ao ar e a tentar apanhá-la  com a boca: a sua morte fora, indubitavelmente, devida a um acidente. Mas ninguém acreditou nisto. Era evidente que Lívia, não tendo sido consultada sobre o casamento de um dos seus bisnetos, arranjara maneira de ele ser estrangulado e a pêra enfiada depois pela garganta abaixo. Como era costume em tais casos, a pereira foi acusada de assassinato e sentenciada a ser arrancada e queimada."
Robert Graves, Eu, Cláudio, trad. Maria de Lourdes Medeiros, Mem Martins: Lyon Multimédia Edições, 2003, p. 258.

Monday, September 5, 2011

O FACTO COMUM


"Por vezes sucede que um animal, por exemplo um cão real, é tratado como se fosse a sombra do dono; ou inversamente a sombra do homem ganha uma existência animal autónoma e indeterminada. A sombra escapa do corpo como se fosse um animal que se albergasse em nós. Em vez de correspondências formais, o que a pintura de Bacon constitui é antes uma zona de indiscernibilidade, de indecidibilidade, entre o homem e o animal. O homem devém animal, mas tal não acontece sem que ao mesmo tempo o animal devenha espírito, espírito do homem, espírito físico do homem apresentado no espelho como Euménide ou Destino. Nunca é combinação de forma, mas sim o facto comum: o facto comum do homem e do animal. A tal ponto que a Figura mais isolada em Bacon é já uma Figura acoplada, o homem em acoplamento com o seu animal, uma tauromaquia latente."
Gilles Deleuze, Francis Bacon - Lógica da Sensação, trad. José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro, p. 61.

Saturday, September 3, 2011

THE DARK SIDE


"Mas no que se refere às qualidades morais, uma confiança mais reduzida seria, confessemo-lo, justificada. Sem dúvida se poderá, submetendo desde a infância os indivíduos a uma educação racional, favorecer o desenvolvimento harmonioso das tendências a evitar muitas deficiências ou desvios afectivos. Todavia, o Homem, é necessário reconhecê-lo, possui um fundo de instintos maus, odientos, ávidos, agressivos, o que nos não deve espantar em grande medida, pois que os Símios, aos quais deviam assemelhar-se os nossos avós, não são precisamente animais altruístas."

Jean Rostand, O Homem, trad. Alfredo Margarido, Lisboa: Guimarães Editores, 1963, p. 170.

Friday, September 2, 2011

TERCEIRO ANO


" Caber dentro da morte se os rebanhos
da vida são felizes neste rumo
onde a noite se fecha, e toca os lábios
ocultos nas palavras qual a réstia

do fumo ao elevar-se pelas casas
que estão no cale, se ali chega o sentido
que transporta da vida o que se esquece
junto ao silêncio, aberto nestes frutos

interiores, de que comemos gomos
já transparentes, e líquidos os rebanhos
atravessam as mãos, as leves margens
das vozes tão exactas do caminho."
Fernando Guimarães, Casa: o seu desenho, Lisboa: IN-CM, 1985, p. 17.

Thursday, September 1, 2011

TRANSFORMAÇÃO


"Independentemente ou não do sentido religioso, o que a repetição dos ritos oculta ou revela é não só a possibilidade de tudo estar em tudo como a certeza disso: nada difere do que lhe é oposto (sujeito de objecto, todo da parte, iluminação das trevas, ser do não-ser) porque tudo está baseado no princípio da não-dualidade, princípio inteiramente alheio às nossas categorias lógicas. Por isso, a transformação é uma simples passagem, sem mudanças visíveis."

João Bénard da Costa, Quinze dias no Japão, Lisboa: O Independente Global, 2001, p. 57.