Thursday, December 31, 2015

FINDA



"Em sacrifício o olhar. Mesmo interceptado por algum corpo, teria sua missão cumprida denunciando-o aos olhos. Esta a natureza completa, curta e eterna do elemento que não dava tempo a reflexões, vivendo mais veloz do que um possível arrependimento. Porque então já se cumprira. Sendo-lhe possível ainda vagar por séculos à procura do que lhe desse vida, que constituía o instante apenas antes da morte. Ondas visuais se integrando viriam repetir-se, o que não as libertava delas mesmas, alcançando o fundo do mar ou atingindo estrelas."

Maura Lopes Cançado,  O Sofredor do Ver, 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica editora, 2015, p. 35. 

OBSTINADA


"Parado continuava o homem, a inteligência rápida noutra espécie de vibração. Pupilas bipartidas entanto obstinadas. Não independente dos olhos a mutilação do veículo. Buscava por onde começar. mas lentamente subia em compreensão, havia muita dor. Não diretamente nele, isto podia jurar."

Maura Lopes Cançado,  O Sofredor do Ver, 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica editora, 2015, p. 34. 

KALEIDOSCÓPIO


"- Oh Vida
                - Em Kaleidoscópio da Emoção
Imaginar Fulgur dos Céus da Glória!...
- Viver e Palpitar...
- Ser... Amar... e Vencer e Conquistar
- Divino Librar Deus do Coração
E enlevar...
                   - Pela Fábula Ilusória!..."


Ângelo de Lima, Poesias Completas, Lisboa: Assírio & Alvim, 1991, p. 71. 

PENSAMENTO LISO


"Uma nova figura. Um destino. 
Nasceu inaugurando um tempo. É o marco da nova época. Entretanto um milímetro de desatenção pode levar-lhe os olhos a rotações incalculáveis, catastróficas. Pode até cair numa espiral e, em ascensão, tornar-se num ponto irritante como a cabeça de um alfinete. Luta para manter-se enquadrada na hora, o pensamento liso à espera da forma de expressão: uma nova linguagem."

Maura Lopes Cançado, "No Quadrado de Joana", in  O Sofredor do Ver, 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica editora, 2015, p. 17. 

RETO


"Um marco no novo tempo. Cumprindo um dever, fortalecida e distanciada das curvas, o pensamento quadrado no ar, quase sólido, e o olhar, reto como lâmina, sofrendo o impacto, voltando e enquadrando-se nos olhos impossíveis. 
Joana está certa no plano vertical. 
Só ela compreende a grande significação disto. Imóvel, poupando o corpo, principalmente o rosto, que sente duro na parte inferior, sustentando o quadro. Não deve mutilar-se na lisura da curva. Não deve perder a forma."


Maura Lopes Cançado, "No Quadrado de Joana", in  O Sofredor do Ver, 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica editora, 2015, p. 16. 

TRAJECTO


"Haverá luz
e as flores têm nomes
que aceitei antes de todos os tempos

outrora quando ainda cresciam flores sobre os rochedos 
quando as árvores falavam
e cada imagem se podia ouvir
ao passar sobre a planície
quando as ervas movidas pelo vento
ensinavam a audácia
a madeira a paciência 
e a longa respiração 
que dá ar e sombras
quando a terra era leito e perfume
e o cuco anunciava o início dos tempos
quando a água ainda mostrava
como o ar era leve
e a queda no céu perigosa
quando os cisnes descreviam o seu trajecto
traçado e descrito
há muito tempo já"


Eva Christina Zeller, Sigo a Água, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Relógio D'Água, 1996, p. 55. 

Wednesday, December 30, 2015

INCONSTANTE



"A forma, eis a aparência:
A imagem desenhada em tintas mentirosas:
Superfície inconstante da existência, 
Relevos da ilusão fingindo das as cousas."


Teixeira de Pascoaes, Vida Etérea, Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 189. 

VINDA



"Se um verso vem, a vinda é verosímil. 
Mas o poema não tem
do mundo senão o funil. 
Se um verso vem, a vida lhe é um símile. 
Mas o poema não tem
do fundo senão o anil. 
Se um verso vem, o inverso é inverosímil. 

Mas se um verso vem - é porque vem."


Luís Adriano Carlos, Livro de Receitas, Porto: Campo das Letras, 2000, p. 21. 

Tuesday, December 29, 2015

PERPÉTUO



"Algo atravessa perpetuamente
a labareda trémula dos nomes
vindo das coisas por criar:

não é nome nem coisa - não é silêncio ainda..."


Laureano Silveira, o lado negro do lado branco, Porto: Limiar, 1993, p. 104. 

CONHECE-O



"Esta criança é uma lâmpada que assustada
se apagou. Nem mapas nem paisagens já
nada a espanta; nada a pode já espantar - 
o mundo conhece-o pequeno: é uma prisão
tão apertada ao corpo que lhe tolhe os desejos
e o riso, os jogos e a invenção. 

O seu poço, os ecos que nele teriam 
brilhado, o labirinto fragrante dos tecidos, 
dos arcos e das portas casa após casa
são agora ruínas sobre ruínas, escombros
que já caiadas salas e quartos foram, ruas
fendidas sob o céu estéril dos assassinos. 

Esta criança tem nas costas tatuada a origem
que se cola ao seu futuro, empurrando-a
para lá, para o destino destinado - de onde vens tu?
- venho de lá e vou para lá. - Não tem origem
que lhe dê p'ra muito mais que uma morte
repetida que cala os lugares e apaga as vozes."


Manuel Gusmão, migrações do fogo, Lisboa: Caminho, 2004, pp. 58-59. 

Monday, December 28, 2015

A VIDA


"O que tenho a perder? A vida? Não há nada mais feio, mais monótono, mais insípido do que a vida. E depois, já estou farto dela: um sonho absurdo. A alma? Como se alguém ainda pudesse ter alma em alturas como estas!"

Mihai Eminescu, O Génio Vazio, trad. Monica Cozacenco, Lisboa: Mybooks, 2012, p. 124. 

Sunday, December 27, 2015

COMEMORA



"As festividades duraram oito dias, durante os quais diversas qualidades de vinhos foram servidas sem restrições: o vinho claro do Reno, o tinto de Beaune e até o doce moscatel trazido de Portugal, a que se junto o hipocraz, infusão de canela e amêndoa misturadas com aguardente e açúcar. Tanto no interior do palácio como na cidade sucederam-se os diverttimentos: danças, corridas  de cavalos, jogos e atrações."

Daniel Lacerda, Isabel de Portugal, duquesa de Borgonha, trad. Júlio Conrado, Lisboa: Presença, 2010, p. 25. 

Friday, December 25, 2015

SIDEREUS



"Guiados pelo resplendor da estrela, chegaram os três magos a Belém. E diante do presépio ficaram assombrados: era ali a morada do Rei dos Reis? Pois não podia ser noutra parte, que as paredes começaram a derramar cintilações, sarça de Oreb maior que o luze-luze das riquezas em oiro e pedras preciosas dos monarcas da Terra."


Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino-Deus, 2ª ed., Lisboa; Livraria Bertrand, 1983, p. 36.

Thursday, December 24, 2015

REDENTOR



"Não havia dúvida que era o Redentor de que falavam as gentes, que anunciaram os profetas e as sibilias. Pois que outro podia ser em tal paço com uma dura manjedoira por leito, a que alumiavam não archotes mas estrelas, e onde se não ouviam vozes humanas mas cânticos celestiais...?!"

Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino-Deus, 2ª ed., Lisboa; Livraria Bertrand, 1983, pp. 36-37. 

PALHAS



 "Afirmam os teólogos que ali se operou miraculosamente a união dos termos mais antitéticos que o espírito pode conceber: Deus e homem, virgem e mãe, eternidade e tempo, céu e terra, morte e vida, e a percepção de tal mistério pelo coração do homem."


Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino-Deus, 2ª ed., Lisboa; Livraria Bertrand, 1983, p. 30. 

Wednesday, December 23, 2015

ANIMALIA


"Muito se tem ventilado também se no estábulo assistiam a burra e a vaca, como ideou S. Francisco no primeiro presépio e, após ele, quantos poetas souberam pegar em pincéis e quantos rapsodos vazaram a rude palavra de romance nas ledas estâncias dos autos e mistérios. Se veio a cavalo de Nazaré, não admira que apareça uma burra a bafejar o inocentinho intanguido nas palhas nuas. Mas donde saiu a vaca? A admirável vidente de Agreda resolve o problema sem dificuldade de maior: Vino luego por voluntad divina de aquellos campos un buey, y entrando en la cueba, se junto al jumentillo que la misma reyna avia llevado. Tal assento tem o entusiástico aplauso das almas crentes. Que custava ao poder de Deus tocar para ali um bezerro dos campos limítrofes ou das lezírias do Nilo? O doutíssimo Ayala defende este ponto de vista com irada e altiva facúndia. E quase não se compreende que espíritos pautados de teólogos como Calmet, Tilemont, Serry expulsem do presépio a boa bicharada e a remetam com desdém antropocêntrico às fábuldas de Esopo. Sendo assim, ficaria inane vã a profecia de que nessa noite prodigiosa o boi conheceria o seu dono, o asno a cara do azemel, só o homem se envergonharia de servir e conhecer aquele que servem e conhecem os brutos."

Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino-Deus, 2ª ed., Lisboa; Livraria Bertrand, 1983, pp. 27-28. 

Tuesday, December 22, 2015

GUERRA DAS ESTRELAS



"Esta alegria redonda
este sorriso de febres
antecipa as hecatombes
que (escondidas) vociferam
pelo terraço das trevas
por dentro dos grandes nomes
pela cor da indiferença
pela inocência das ervas
pelo céu das excelências
pelo tremor das gaivotas
a pressentir sua queda. 

Este sorriso vigente
traz o perfume dos cantos
que do luto fazem lida
e da morte seu fermento
que do medo fazem ninho
e do terror seu encanto:
é o contrário da vida
é a vida a ser vencida
por esses risos de vidro
por essas uvas de pranto."


João Rui de Sousa, Lavra e Pousio, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2005, p. 75. 

Monday, December 21, 2015

HÁ ESTRELAS



"Há estrelas brancas, azuis, verdes, vermelhas, 
Há estrelas-peixes, estrelas-pianos, estrelas-meninas, 
Estrelas-voadoras, estrelas-flores, estrelas-sabiás, 
Há estrelas que veem, que ouvem, 
Outras surdas e outras cegas.
Há muito mais estrelas que máquinas, burgueses e operários:
Quase que só há estrelas."


Murilo Mendes, Poesia, S. Paulo: Livraria Agir Editora, 1983, p. 54. 

Sunday, December 20, 2015

SAGRADOS


"Eu, pelo contrário, tendo visto a bela figura daquela filha da Terra, daquele anjo loiro, sonhava com ela dia e noite e tinha a impressão, ao ajoelhar-me diante do ícone de madeira enegrecida na nossa igreja, quando o corista murmurava orações numa língua antiga e eslava e enquanto o padre no altar erguia as suas mãos magras aos céus, de que o ícone avermelhado e triste de Nossa Senhora assumia contornos cada vez mais brancos, o seu rosto apagado e quase indiscernível tornava-se como que soprado com prata rosada, o cabelo coberto por um véu bordado a ouro parecia ondular-se em tranças longas e desordenadas, loiras como o outro, os olhos apagados pelo tempo pareciam brilhar como duas flores azuladas, e os seus lábios sagrados, pálidos e fechados, pareciam tornar-se rosados, murmurando palavras; as pregas vermelhas do seu vestuário tornavam-se brancas como lírios perante os meus olhos. Na igreja, em lugar de Nossa Senhora, eu via, por entre as minhas lágrimas amargas de amor, aquela imagem querida do meu coração, Poesis."

Mihai Eminescu, O Génio Vazio, trad. Monica Cozacenco, Lisboa: Mybooks, 2012, pp. 58-59. 

Saturday, December 19, 2015

APAGAR




" - Mas quem poderia fazê-lo? Não são todos assim? Não são todos receptivos, os franceses, os italianos, os espanhóis, todos... só os romenos é que não?
- Oh! Mas não são precisos muitos homens para fazer isso... o espírito público é o produto de um punhado de homens. Cabe a uma única testa ungida por Deus conseguir formar o oceano de pensamentos humanos um único e imenso vendaval, que se erga do fundo do abismo marinho até às nuvens do céu de Lúcifer... a isso se chama génio. Mostrem-lhes o fantasma do futuro e eles assustar-se-ão. Mostrem-lhes aonde chegarão se continuarem assim e eles voltarão atrás... Mas, enfim - acrescentou ele com um sorriso céptico -, porque haveríamos nós de suportar o fardo da nossa geração aos ombros? Todos os meios terrenos têm o seu devido fim. Se está destinado que eles se apaguem, apagar-se-ão, connosco ou sem nós; se não está destinado, então, não se apagarão."


Mihai Eminescu, O Génio Vazio, trad. Monica Cozacenco, Lisboa: Mybooks, 2012, pp. 14-15. 

Friday, December 18, 2015

ALIMÁRIAS


"O meu romance, enfim, aconselha a todo o mundo que coma e beba e durma o melhor que puder. Protesta contra as paixões sérias, e quer que toda a humanidade se submeta um pouco mais ou menos aos artigos dos estatutos dados pelo Criador a todas as alimárias do universo."

Camilo Castelo Branco, Cenas da Foz, 6ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, p. 108. 

Thursday, December 17, 2015

CABIDE


"O homem, na minha opinião, é um cabide, e mais nada. O que a mão da boa ou má fortuna dependura nele é que distingue a criatura de Deus entre os seus irmãos. Não há substância de homem: há só forma de homem. Ora a forma está no invólucro, desde os andrajos inçados de herpes até aos arminhos recamados de brilhantes. Aí fica debique para os filósofos. As grandes ideias incubam cinquenta anos, disse Napoleão. Em 1907 a minha ideia estará na consciência da posteridade. Quando se perguntar o que é o homem, responder-se-á: é um cabide."

Camilo Castelo Branco, Cenas da Foz, 6ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, p. 95.

Wednesday, December 16, 2015

CENTENÁRIO



"Grandes olhos de luz, ó negras alvoradas, 
Olhos que fascinais minh'alma como abismos, 
Abri-vos para mim, sepulturas sagradas, 
Deixai-me aprofundar nos vossos magnetismos!

Incensórios de sombra a arder, olhos profundos, 
Que o sonho me envolveis no vosso negro manto, 
Quando vós me fitais, puros olhos jucundos, 
A minh'alma embriagais como um vinho de encanto. 

Largos olhos de amor, estrelas de condão, 
Que pela minha noite a rir me iluminais, 
Meus olhos envolvei na vossa escuridão, 
Que a minha vista seja a treva que me dais!"


Duarte Solano, Coroa de Rosas, Penafiel: Associação dos Amigos da Biblioteca de Penafiel, 2013, p. 104. 

VIEIRA


"Se quereis saber qual era então a minha angústia, perguntai à onda porque geme, à fonte porque murmura, e à calhandra porque pipila entre as franças de avelanzeira! É que a minha angústia era vaga e misteriosa como a onda que geme, a da fonte que murmura, como a da calhandra, e a do calhandro, e de toda a variedade de animais que têm bico, ou barbatanas, ou tromba, ou lábios ou qualquer orifício respiratório por onde possam respirar e gemer."

Camilo Castelo Branco, Cenas da Foz, 6ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, p. 63. 

Monday, December 14, 2015

A LÓGICA



"Seus pais mandaram-no estudar latim e lógica no seminário de Braga. Bento corrompia o porteiro, e saía de noite, a provar que a lógica, sendo a arte de bem pensar, não exime um fraco mortal de pensar o pior que é possível. Dessas investidas nocturnas à moral, resultou um escândalo em casa de um chapeleiro da Senhora a Branca, e o sedutor teve de fugir do seminário, onde estava debaixo de olho, pendurando-se para a rua nos lençóis".

Camilo Castelo Branco, Cenas da Foz, 6ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, p. 14. 

Sunday, December 13, 2015

GALGAR



"Estranhos lugares há por aí, estranhos cérebros, estranhas regiões do espírito, altas e indigentes. Nas periferias das grandes cidades, onde os lampiões se tornam mais raros e os polícias andam aos pares, há que galgar pelas casas dentro até não se poder ir mais adiante, até mansardas oblíquas, onde génios jovens e pálidos, criminosos do sonho, cismam de braços cruzados, até ateliers decorados a bom preço e gosto sugestivo, onde artistas solitários, indignados e consumidos por dentro, esfomeados e orgulhosos, se digladiam entre a fumarada dos cigarros, com ideais derradeiros e ermos. Ali é o fim, o gelo, a pureza e o nada."

Thomas Mann, "Na Casa do Profeta", in Contos, trad. Sara Seruya, Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 267. 

Saturday, December 12, 2015

SUCESSOS



" - Tudo isso está certo - respondeu Cândido -, mas é preciso cultivar o nosso jardim."

Voltaire, Cândido, trad. Maria Archer, Lisboa: Guimarães Editores, 1999, p. 178. 

Friday, December 11, 2015

ILUMINAÇÕES



"Se acaso vires na rua um homem iluminado, não o abordes com palavras, não o abordes com silêncio."


Herberto Helder, O Bebedor Nocturno [Poemas Zen], Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p. 82.

Thursday, December 10, 2015

O VASTO CAMPO


"Desde a expedição dos Argonautas até à assembleia dos Notáveis, desde o mais profundo dos infernos até à última estrela fixa para lá da via láctea, até aos confins do universo, até às portas do caos, eis o vasto campo por onde passeio de lado a lado, de extremo a extremo, com todo o sossego e muito à minha vontade; porque me não falta tempo como assim me não falta espaço."

Xavier de Maistre, Viagem à Roda do Meu Quarto, trad. Fernandes Costa, Lisboa: Casa Editora David Corazzi, 1888, p. 55. 

Wednesday, December 9, 2015

ACEITAR



"Assim, tentarei mostrar-te a natureza da causa que me tem ocupado o pensamento e reportar-me-ei, novamente, às palavras familiares e, antes de tudo, aceitarei que existe algo que é belo em si e por si, e que é do mesmo modo bom e que igualmente existem as demais realidades desta natureza."

Platão, Fédon, 100b, trad. Adelino Dias, Porto: Areal Editores, 2005, p. 89. 

Tuesday, December 8, 2015

DAS QUIMERAS



"Maria das Quimeras me chamou
Alguém... Pelos castelos que eu ergui, 
P'las flores d'oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou; 
Com elas na minh'alma adormeci. 
Mas, quando despertei, nem uma vi, 
Que da minh'alma, Alguém, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d'oiro e azul que a sol bordaste, 
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?...
Aonde estão os beijos que sonhaste, 
Maria das Quimeras, sem quimeras?"


Florbela Espanca, Sonetos Completos, 8ª ed., Coimbra: Livraria Gonçalves, 1950, p. 90. 

Monday, December 7, 2015

VISÍVEL


"O objecto da vista é aquilo que é visível. O visível é, umas vezes, a cor; outras vezes uma coisa que pode ser descrita por palavras, embora permanecendo não nomeada (...)". 

Aristóteles, Da Alma, 418a, trad. Carlos Humberto Gomes, Lisboa: Edições 70, 2015, p. 72. 

Sunday, December 6, 2015

ROUBAR


"Depois, respondendo a uma das perguntas de um dos príncipes que ali se encontravam, o Senhor de Mascarenhas explicou os segredos do seu jardim. Gostava, dizia ele, de roubar às nuvens e às plantas, ao vento, aos insectos, o seu poder de metamorfose. Gostava de roubar o tesouro dos continentes e dos confins para recordar a fortuna que os Mascarenhas aí haviam adquirido e como testemunho da coragem que haviam demonstrado. Gostava de roubar ao Sol o mistério do oceano, e à Lua o das mulheres e dos sonhos."

Pascal Quignard, A Fronteira, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Quetzal, 1996, p. 19. 

Saturday, December 5, 2015

ECONOMIA



"Saturião - (...) Um parasita nada vale se tiver dinheiro em casa. Se tiver, dá-lhe logo vontade de preparar um festim, de consumir o que é seu. O parasita deve ser tão necessitado como um filósofo cínico: só deve ter um frasquinho de vidro, uma almofaça, uma taça, umas chinelas, um manto e uma bolsa -  e nesta apenas o bastante para acudir às despesas da casa."


Plauto, Persa, 119-126, trad. Maria Isabel Rebelo Gonçalves, Lisboa: Editorial Verbo, 1999, p. 37. 

Friday, December 4, 2015

LINHA EXACTA




"Ângulos, portas, incidências
que se tornam
obscuras quando o olhar
as deixa. Porém, não encontro
o ponto em que a perspectiva se cruza
com o quadro da janela. Um
vidro que
reflecte o interior
corrompe a visão. Mas apago
a luz; e logo
o horizonte se revela
na linha exacta
dos seus limites."


Nuno Júdice, Meditação Sobre Ruínas, Lisboa: Quetzal, 1999, p. 84. 

Wednesday, December 2, 2015

ACONTECIMENTO




"Para os homens não é melhor acontecer-lhes tudo o que querem."



Heraclito, Fragmentos Contextualizados, trad. Alexandre Costa, Lisboa: IN-CM, 2005, p.125.

Tuesday, December 1, 2015

DUODECIMA PORTA



"No espaço desta vida 
digo e ganho e perco
conduzindo à desolada luz a lucidez
desta ruína. Trazendo o objecto ao espaço
desta vida o tempo apaixonado deste corpo. 

Ainda não esgotámos toda a parte do fogo?"


João Miguel Fernandes Jorge, "Alguns Círculos" in Obra Poética, 2ª edição, vol. 2, Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 134.