"E há a solidão de milhões de estrelas
e o clarão de todos os sóis..."
Maria Filomena [Cabral], Poemas do amor e da morte, Porto: Tipografia do Carvalhido, 1978, p. 69.
"Há uma luz especial, vivaz e sonora, nesta terrinha branca que, vista da bacia de Leixões, tem, como fundos, para além de um céu de turquesa pura, os verdes espessos dos pinhais da Boa Nova, da Memória, de São João e do Montado."
Antero de Figueiredo, "Leça da Palmeira", in Jornadas em Portugal, 7.ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d. p. 296.
"A literatura não era o instrumento menos importante de que se servia tal propaganda: exaltava sabiamente a antiga grandeza de Roma, transformava os malogros em triunfos, apagava as derrotas. Repetida em inscrições altaneiras, monumentos, poemas, narrativas históricas, a grandeza tornava-se uma obsessão à qual os jovens bárbaros dificilmente resistiam. Eles queriam por sua vez parecer-se com os Romanos, mas, ignorando os antigos, só os de hoje podiam imitar: rejeitavam, porque as mulheres se riam deles, seus adornos rudes e sem graça, e, para lhes agradar, esforçavam-se em parecer semelhantes aos favoritos do Imperador; esqueciam os seus heróis e seus deuses, arrebatados pela voluptuosidade e pela sedução da fama. Na realidade, só podiam perder com estas trocas, pois despojavam-se das virtudes bárbaras sem adquirir as qualidades romanas e contentavam-se com imitar pormenores artificiais, a forma de se pentear e de usar a toga ou pronunciar certas palavras. "
Marcel Brion, A Vida de Átila, trad. Augusto Costa Dias, Lisboa: Editorial Estúdios Cor, 1959, p. 33.
"Nesta fase do percurso, há que docemente aprender a acariciar a louca que existe dentro dela respeitando a liberdade de o ser, sabendo também sê-lo no meio dos homens, narizes dos outros, fazê-los aspirar o seu perfume sem que o compreendam. Espalhá-lo, simples e discreta, e lentamente ir observando o que acontece."
Risoleta Pedro Natálio, O Aniversário, Lisboa: Difel, 1998, p.51.
"Uma preocupação começa no entanto a tomar forma. Como nos organizamos neste caos de pensamentos de que somos feitos? Passamos de minuto a minuto do pensamento mais contraditório para o seu oposto e todos levamos a sério como se nós próprios fôssemos constituídos de múltiplos seres fragmentados, mudando de eu a cada momento. Como organizar o caos?"
Risoleta Pedro Natálio, O Aniversário, Lisboa: Difel, 1998, p. 25.
" João - Isto em mim é a minha sina. O que quer a senhora?D. Joana - Ah! não, não... não diga isso, João. Neste mundo não há sinas nem para o bem nem para o mal. Dores todos as sentem, lágrimas todas as choram e risos... vamos, também não há alma tão atribulada, que não tenha conhecido o prazer que dá uma alegria verdadeira."
Júlio Dinis, "O Bolo Quente", in Teatro I, Lisboa: Círculo de Leitores, 1979, pp. 12-13.
"D. Joana - Olhe lá, Francisco, não ponha na mesa vinhos muito fortes nem comidas indigestas. De noite é preciso toda a cautela. Não me agradam nada estas ceias. É isto que estraga por aí tantos rapazes que, aos vinte anos, já andam cheios de achaques, como se fossem velhos... Quem é este rapaz?"
Júlio Dinis, "O Bolo Quente", in Teatro I, Lisboa: Círculo de Leitores, 1979, p. 11.
"E, depois,o facto de irmos e virmos, e de partirmos de novo, lembra-me um caminha no labirinto. Ora, creio que o labirinto é por excelência a imagem de uma iniciação... Por outro lado, considero que toda a existência humana se constitui por uma série de provações iniciáticas; o homem constrói-se a partir de uma série de iniciações inconscientes ou conscientes. Sim, penso que o título exprime muito bem o que se passa comigo diante do gravador; mas também me compraz devido a ser uma expressão bastante justa, penso, a respeito da condição humana."
Mircea Eliade, A provação do labirinto - conversas com Claude-Henri Rocquet, trad. Luís Filipe Bragança Teixeira, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p. 27.
"Há diamantes em bruto soltando-se do inconsciente pela noite, que tenta na tela agarrar e transformar em preciosas pérolas. Os sonhos. São o produto onírico de um Deus, brutos diamantes distraídos da sua verdadeira natureza. Só pela intuição, lá chegaremos. O mesmo tentam alcançar os loucos, os artistas, as crianças, os visionários, os santos e os grandes pecadores. Não há gente mais preciosa neste mundo que... toda a gente. Não há para o santo, ser mais necessário que o pecador, seu outro lado. Como pensar a existência de um sem o outro? As duas faces da mesma moeda. Talvez por isso um santo houve que todas as manhãs, e noites, ajoelhou e agradeceu a Deus o ter semeado no mundo.. o pecado. E não se contentava em fazê-lo assim, ajoelhava também ao meio-dia, e no meio-dia das noites, pedindo a Deus a benesse de mais pecadores ainda. Um santo não se cansa da virtude. Ela nunca o satisfaz; é-lhe tão dependente, que se torna cada vez maior a sua necessidade de pecado, pois sem este não alcançaria o seu reverso."Risoleta Pedro Natálio, O Corpo e a Tela, Lisboa: Hugin, 1997, pp. 81-82.
"Dizem os físicos que inicialmente havia o caos, mas não é verdade. O caos persiste nos meus braços e nas minhas pernas, sou uma espécie de substância atómica distraída da estabilidade necessária.
Às vezes, olho-me por dentro, tentando apreender o pensamento de algum Deus que eventualmente por aí exista, e se assim é, será um pensamento obrigatoriamente caótico, disperso, criativo, hesitante, irónico e cruel. Irritante. Um pensamento de criança. Igual ao do mundo. Igual a mim."
Risoleta Pedro Natálio, O Corpo e a Tela, Lisboa: Hugin, 1997, p. 34.
"Ficou despois de morta mais fermosa do que dantes era, pelo que a puseram aonde fosse vista de todos e as mulheres da vila a vinham ver, tocando algumas coisas em seus pés, as quais guardavam por relíquias, porque tinham por mais certo que estava sua alma na glória"
Frei Luís dos Anjos, Jardim de Portugal [1626], ed. Maria de Lurdes Correia Fernandes, Porto: Campo das Letras, 1999, p. 185.
"Não se diz no letreiro que morreu de vinte e um anos, senão que os viveu, porque quem morre ao mundo sempre vive pera Deus e assi nunca morre, e foram, como está dito, seus anos vinte e um, bem poucos a respeito de muitas virtudes que já tinha alcançado; pelo qual em o mesmo letreiro se lhe aplica o que lemos de Enoc no livro do Eclesiástico, isto é, que brevemente cumpriu muitos tempos. Diz mais: que dormiu em paz, porque os mortos hão-de ressuscitar com tanta facilidade das sepulturas como os que dormem de seus leitos e por isso os adros são chamados cemitérios, que é o mesmo que dormitórios. Quando lemos que dormiu em paz, podemos coligir que teve a morte dos justos, que andam na vida sempre diante de Deus, até que no fim se vêm a unir e abraçar com Ele e a descansar em paz, como pedimos nas exéquias de nossos defuntos, sabendo que são bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor"
Frei Luís dos Anjos, Jardim de Portugal [1626], ed. Maria de Lurdes Correia Fernandes, Porto: Campo das Letras, 1999, p. 102.