Thursday, July 24, 2008

PERMANÊNCIA DE CERTOS ESTADOS DE ALMA



"A ânsia nele, a música, a dor agitava-o. Para ele o universo era feito de feridas; isso fazia-o sentir uma dor profunda, impossível de nomear. Agora um outro ser, lábios divinos, trémulos, inclinavam-se sobre ele, e colavam-se aos seus lábios; encaminhou-se para o seu quarto solitário. Estava sozinho, sozinho! Então a nascente murmurou, caudais jorraram dos seus olhos, curvou-se sobre si mesmo, os seus membros estremeceram, era como se fosse obrigado a dissolver-se, não achava o fim da volúpia; por fim começou a compreender, sentiu uma profunda, silenciosa comiseração em si mesmo, chorou ao pensar em si, a sua cabeça enterrou-se no peito, adormeceu, a lua cheia mantinha-se no céu, os caracóis do seu cabelo caíam-lhe sobre as têmporas e o rosto, as lágrimas pendiam das pestanas e secavam nas faces, assim jazia ali abandonado, neste momento, e tudo estava tranquilo e silencioso e frio, e a luz brilhou durante toda a noite e permaneceu sobre as montanhas."


Georg Büchner, Lenz, trad. Bruno Duarte. Lisboa: Vendaval, 2006, pp 16-17.

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