Friday, September 30, 2011

MORIA 7, A PARTIR DE "O FILHO DE MIL HOMENS" DE vhm


"Quando se era novo, o barco assemelhava-se a um ser orgânico fantástico, que se alongava no mar como por coragem perante o impossível. O pescador novo percebia as águas com um medo expectante, e o trabalho, a violência do trabalho, anestesiava um pouco a espera pelo adamastor. O ondular das águas, em cumplicidade com a réstia de luz que a lua fazia, previa figuras que espreitavam submersas, ao longe e ao perto, em visita. O pescador novo trabalhava aprendendo que a companhia era ilusória e que o impossível diminuía porque a realidade crescia e banalizava até o medo maior. Até que fosse medo nenhum. O Crisóstomo pensou que a sua vida era já uma conquista grande de monstros de toda a espécie. Lembrou-se da estranheza das noites na água, a estranheza que a escuridão incute nos objectos quando, por distracção ou demasiado olhar, se tornavam desconhecidos e se revestiam de maravilha ou terror."
valter hugo mãe, O filho de mil homens, Carnaxide: Editora Objectiva/Alfaguara, 2011, p. 149.

No comments: