Wednesday, August 26, 2015

CONFUSÃO


"Na opinião de Morris Zapp, a fonte de todos os erros da crítica era uma confusão ingénua entre a literatura e a vida. A vida era transparente, a literatura opaca. A vida era um sistema aberto e a literatura um sistema fechado. A vida era composta de coisas, a literatura de palavras. A vida era o que parecia: se tivéssemos medo de que o nosso avião caísse, o problema era a morte; se tentássemos levar uma rapariga para a cama, o problema era o sexo. A literatura nunca era o que parecia, embora, no caso do romance, fossem necessários um engenho e uma percepção consideráveis para decifrar o código da ilusão realista, e fora essa a razão da sua atracção profissional pelo género (até o crítico mais burro compreendia que a questão no Hamlet não era como é que o tipo podia matar o tio, ou no Ancient Mariner a crueldade para com os animais, mas era surpreendente o número dos que pensavam que os romances de Jane Austen constituíam uma busca do Homem Ideal)."

David Lodge, A Troca, trad. Helena Cardoso, 6ª ed., Porto: Asa, 2007, pp. 39-40. 

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