Tuesday, September 14, 2010

BURSTING AT THE END LIKE DAMS



"No dia do veneno, aos seus amigos,
Sócrates disse ter estado a escrever:
a pôr em verso fábulas de Esopo.

Isto, não porque amasse a sabedoria
e advogasse a vida examinada.
A razão foi que ele tivera um sonho.

César, ou Herodes, ou Constantino
ou qualquer conta de reis shakespeareanos
rebentando por fim como barragens

de panoramas originais submersos
a reerguer antes das cenas da morte -
pode crer-se nos seus crédulos sonhos.

Mas Sócrates, bem menos. Ou seja, até
dizer aos amigos que o sonho recorrera
por toda a sua vida, a repetir uma instrução:

Exerce a arte, arte que até então
julgou sempre que era a filosofia.
Feliz o homem, pois, com dotes naturais

para dar-se à que está certa desde o início -
a poesia, digamos, ou a pesca;
as suas noites são sem sonhos; os seus

panoramas afundados levantam-se
e passam como a luz do dia
pela argola da cana ou o olho do aparo."


Seamus Heaney, "The Haw Lantern", in Antologia Poética, trad. Vasco Graça Moura, Porto: Campo das Letras, 1998, pp. 115; 117.

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