Saturday, December 11, 2010

À FORMA



"A Forma não se agarra fotograficamente:
é entre as mentiras
a que menos mente.
Seria falta de respeito pô-la de lado,
ou pedantismo, ou cultivada ignorância.

Porque a Forma não habita as viscosas vísceras,
Não nasce de um semítico (e não somítico!)
clamor,
nem de uma raiva
contra as ditas cujas convenções
literárias ou sociais
mas começa a partir dos abanões da atenção
quando estamos sentados num ócio moderno
e tocamos com os lábios o café forte
e a língua se torna escura como a morte.

Como não ressurgem os espelhos
que mostram a saliva acastanhando-se
só a chávena se torna evidente no seu vazio lacado
com a borra inútil e muita do café turco.

A Forma vem depois das definições:
essa idade pré-histórica de conceitos
onde os sentidos são dinossáurios escorreitos
e se camuflam de acordo com os "hiperescópicos" comentadores
fazendo derivar qualquer coisa do seu inconsequente anseio.

A Forma, meus caros, é a cristalização do entusiasmo,
é a ninfa sorrindo nas ondas atapetadas de azul,
é a casa pensada nocturnamente
como uma varanda sobre o mar apaziguado,
aplainado,
liso,
cool,
cortado obliquamente pelo sulco de um navio."


Pedro Proença, O Homem Batata, Lisboa: Parque das Nações, 2000, pp. 156-158.

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