Thursday, October 13, 2011

DIAS DRAMÁTICOS


“a teresa diaba já não era filha de ninguém. por muito tempo que se defendeu de bicho e instinto, a diaba era só bicho e instinto, como coisa que veio do mato para se amigar da vida das pessoas. era assim como um animal selvagem com muita vontade de ser doméstico, presa às atitudes dos homens viciara-se em homens, e nada do que fizesse seria honra para qualquer pai que a tivesse. assim era como se dizia, já não era filha de ninguém, se até os pais se recusavam a recordar o nascimento de tão atrofiada mulher, parida entre pernas como feita para alívio, nunca para viver. era disforme em pequeno, ponto pequeno, já feia para assustar as pessoas, e menina, diziam, vai ser bicho do diabo a distribuir o pecado em carne tão azarada. e era nos azares da sua carne que se rejeitava a filiação, para isso deitou a teresa diaba às sortes, e como vingou não se imagina senão por forças demoníacas que a alimentaram. diaba, grunhindo e zurzindo em busca do prazer, pendurada em galho de homem dia inteiro, batendo os raquíticos braços como asas, sem poder voar, sem andar direito, sem nada. todos lho diziam, anda, animal, some-te daqui a ver se te enfias numa toca e não levas uma pedrada, e ela sorria na sua meia loucura e rondava quem lhe falasse. como tive de lhe falar quando a vi, ou se calava do que viu, ou punha-lhe a lâmina ao pescoço para a calar de vida. era assim simples, se abres a boca para espalhar o que ouviste sais deste mundo para o outro. ela, saia levantada, grunhia risos e pedia-me que entrasse. entra aqui como de costume, estou com saudades tuas, meu amor.”
valter hugo mãe, o remorso de baltazar serapião, Matosinhos: Quidnovi, 2006, pp. 53-54.

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