Friday, June 7, 2013

LUZ INSIDIOSA

 
"estrangeiros somos, quando revisitamos a memória com a memória; cada passo torna mais inóspita a terra pisada, e deixa um molde que outros passos apagarão; não reconhecemos as próprias mãos, o copo de vinho na mesa, a luz insidiosa na toalha, a penumbra que chama ruína à casa; somos alguém que só encontrará repouso nas palavras de uma língua estranha; por mais tempo, por todo o tempo, nada se tornará uma posse. Sabemos? O que sabemos? A verdade tem origem numa guerra e quebra o silêncio do retorno. Mas o objecto que nos sai das mãos refaz por um momento a integridade perdida. E à integridade chama-se beleza. Ao que explora olhos, ouvidos, dedos, corpos. E nessa exploração deixa o rasto, o rosto?, do inacabado. O que sabemos? Sabemos? Talvez só desencontros. Por vezes, um nome que não se deixa dizer"


Rui Nunes, Armadilha, Lisboa: Relógio D'Água, 2013, pp. 8-9.

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