Sunday, November 8, 2009

NOVEMBRO, CONTEÚDOS OBSCUROS 1


"O palácio encerrava tudo, como um grande túmulo ornamentado, talhado em pedra, em que ossos de gerações se deterioravam, onde se desfaziam vestidos fúnebres de mulheres e de homens de outros tempos, de seda cinzenta ou de pano negro. Encerrava em si o silêncio, como um preso religioso que apodrece desmaiado na palha pútrida, numa masmorra, de barba comprida, esfarrapado e coberto de bolor. E encerrava a memória, a memória dos mortos que se ocultavam nos recantos ocos dos quartos, como se ocultam os fungos, a humidade, os morcegos, a ratazanas e os insectos nas caves húmidas das casas muito velhas. Sentiam-se nos puxadores das portas o tremor de uma mão, a emoção dum momento passado quando a mão hesitava em puxar essa maçaneta. Todas as casas onde a paixão tocou com a sua força arrebatadora se enchem desse conteúdo obscuro."


Sandór Márai, As velas ardem até ao fim, trad. Mária Magdolna Demeter, 16ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008, p. 23.

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