Sunday, August 29, 2010

FRENTE AO SENTIDO VULNERÁVEL DOS DIAS



"perguntou por onde vai
a narração do secretário da corte
no

caderno
de bolso das ideias chuvosas
de Lisboa

eu tinha vindo de onde
era o outro lado, do Verão
polifónico das palavras
metade de mim debulhava
a fruta doce dos capítulos
a outra metade

ramificava num jogo de memórias
num aturado tratado sobre a respiração
de quem espera no silêncio do mundo

continuou fora de mim o texto
caminho provisório círculo síntese imperfeita
de lugar

qual o quadro concreto desta tristeza?

a minha noção de melancolia é
uma notícia naufragada um verso detido
na alfândega

nevoeiro muro branco vento que reúne
a areia na véspera das palavras
marinheiro ao largo da derrota ou
outra coisa definitiva o rigor

metafísico de um cigarro
frente ao sentido vulnerável
dos dias

escrevo antes que escureça alguém
veio passear-se no silêncio europeu da praça
chapéu inclinado sobre a orelha esquerda

astrónomos olhavam o extracto do céu de Setembro"

Miguel-Manso, Contra A Manhã Burra [cortado], 2ª ediç., Lisboa: Mariposa Azual, 2009, pp. 70-71.

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