Monday, May 23, 2011

RETÓRICA DOS LIMIARES E DOS INTERIORES


"- Pecador que dormes a sono solto, como Jonas no meio do temporal, desperta! Porque tardas tu tanto? Olha para o chão, infeliz!... Não lobrigas o gólfão do Inferno às escâncaras para te engolir...? Não? É porque és cego! Não ouves tão-pouco estalar por baixo dos pés a tábua estreita e carcomida, lançada deste mundo para o outro como cais para a barca? É porque, além de cego, és surdo! Ah, que se limpasses as escamas dos olhos e a cera dos ouvidos, verias os condenados aos tombos nos caldeirões de azeite a ferver, rechinar nas grelhas, serem espichados nos dentes dos gadanhos e forcados como postas de estrume das estrumeiras, e ouvirias os risos macabros dos demónios, as blasfémias e ranger de dentes dos réprobos!
A esta altura do rapto, de fundo tão realisticamente negro esverdinhado a fósforo, a igreja inteira ululava como nau que vai ao fundo. Eram favas contadas como nos demais anos."
Aquilino Ribeiro, A Casa Roubada, Lisboa: Bertrand Editora, 1985, p. 105.

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