Tuesday, May 3, 2011

TRANSFORMAR O QUE ESTÁ MORTO


(museu arqueológico, Istambul)

"- Mas é tão simples. Dá ordem de marcha para sul. Têm de obedecer. Tu és o Imperador.
- Teria sido o Imperador. Matavam-me primeiro.
- Mas a própria Cibele disse-nos que tens de completar a tua obra. Afinal és Alexandre.
Com estas palavras ferveu-me o sangue: - Não, não sou Alexandre. Alexandre morreu, sou Juliano. E estou quase a morrer neste maldito lugar...
- Não. Não! Os deuses...
- ... enganaram-nos! Os deuses riem-se de nós! Elevam-nos por desporto e derrubam-nos logo a seguir. Não há mais gratidão no céu do que na terra.
- Juliano...
- Dizes que eu nasci para grandes coisas. Muito bem, fi-las. Venci os Persas. Venci os Germanos. Salvei a Gália. Para quê? Para atrasar o fim deste mundo por um ano ou dois? Certamente que não vai durar mais tempo.
- Nasceste para restaurar o culto dos verdadeiros deuses.
- Então por que deixam que eu fracasse?
- Ainda és Imperador!
Apanhei uma mão-cheia de terra calcinada no chão da tenda. - Isto é tudo quanto me deixaram. Cinzas.
- Viverás...
- Estarei tão morto como Alexandre dentro de pouco tempo, mas quando me for levarei Roma comigo. Pois nada de bom virá a seguir. Os Godos e os galileus herdarão o Estado e, como abutres e vermes, transformarão o que está morto em ossos descarnados, até que não existe sequer a sombra dum deus sobre a terra."
Gore Vidal, Juliano, trad. Carlos Leite, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990, pp. 405-406.

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