Saturday, February 23, 2013

MADURO



"Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés da terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho; não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu sono adolescente? que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam aqueles gritos, se os mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? (meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo)."
  Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, Lisboa: Relógio D'Água, 1999, pp. 13-14.

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