Sunday, December 15, 2019

O SILÊNCIO



"As estrelas do meu tempo eram mais brilhantes, 
mais numerosas, o céu era mais negro, 
e o silêncio de tanta vida era mais belo
suspenso o mar por cima em gotas flutuantes.
Ainda hoje o céu se despenha no silêncio,
o fino silêncio das cintilações, 
como é possível suster no olhar um peso assim, 
as cascatas do céu a despejarem-se nos olhos
mais silenciosamente que o voo dum pirilampo?...
É o silêncio do céu que tomba sobre mim, 
o infinito percorre-me como um toque de trombeta, 
conheço todas estas estrelas uma a uma
como o senti ao entendê-las pela primeira vez. 
E depois de eu ter morrido elas continuarão a brilhar
e depois de a Terra ter morrido
e depois de elas próprias terem morrido
e de se terem de novo fabricado. 
E também este silêncio do meu olhar
alimentado pela taça do céu
atravessa-me e deixa-me a vibrar, 
nada mais quero senão compreender
o logaritmo que me transmite a passagem, 
saber que morro só, que vivo só, 
tão cheio de silêncio como de nada."


Jorge Guimarães, Odes Nocturnas, Lisboa: Guimarães Editores, 1990, pp. 11-12. 

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