Friday, November 1, 2024

SONETO DE OUTONO

 




"Dizem-me os teus olhos, claros como o cristal:
«Qual é, para ti, estranho amante, o meu mérito?»
- Sê bela e cala! Meu coração, que só preza
A candura dos primitivos animais,

Não quer revelar-te o seu segredo infernal,
Embalo cuja mão me predispõe ao sono,
Nem a seu negra lenda lavrada a fogo.
Odeio a paixão, e o espírito faz-me mal!

Amemo-nos docemente. No abrigo, o amor,
Emboscado, retesa o seu arco fatal.
Conheço os engenhos do seu velho arsenal:

Crime, horror, loucura! - Ó pálida margarida!
Não serás tu, como eu, um sol outonal,
Ó minha branca, ó fria Margarida?"



Charles Baudelaire, As Flores do Mal, trad. João Moita, Lisboa: Relógio D'Água, 2020, p. 151.

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