“Onde acabava o céu e começava a terra? E as árvores rumorejavam, os ralos cantavam – um estrépito novo, profundo, incessante, enchia a noite. Ficou um momento debruçado, escutando a amplidão sonora: invadiu-o uma tristeza diferente de todas as tristezas. Sentiu as lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Dir-se-ia que a vida acabara para ele. Como era possível uma pessoa ficar assim de repente como morta, tão longe de tudo que amava? Entre o ser debruçado daquela janela e aquele que momentos antes se abraçara a chorar ao pescoço do pai já não havia relação alguma. Tudo o que até então se lhe afigurara a vida – a sua própria vida – era agora uma coisa tão distante como os montes que costumava fitar, abismado, do alto do Castelo de Leiria. Imaginava que para além ninguém podia ser feliz: era como se o mundo acabasse ali e depois fosse a frieza desolada de um planeta morto. Nesse planeta habitava agora.”
João Gaspar Simões, Internato, 2.ª ed., Portugália Editora, 1969, p. 22.
No comments:
Post a Comment