Wednesday, June 4, 2008

4 DE JUNHO DE 2008


"Quanto a mim, que sinto por vezes no meu íntimo o ridículo de um profeta, sei que nunca aí encontrarei a caridade de um médico. Perdido neste vil mundo, acotovelado pelas multidões, sou como um homem cansado cujo olhar não vê para trás, nos anos profundos, senão desilusão e amargura, e, à sua frente, senão uma tempestade em que nada de novo se contém, nem ensinamentos, nem dor. Na noite em que este homem furtou ao destino algumas horas de prazer, embalado na sua digestão, esquecido - tanto quanto possível -, do passado, contente com o presente e resignado com o porvir, inebriado pelo seu sangue-frio e pelo seu dandismo, orgulhoso de não ser tão baixo como aqueles que passam, diz para consigo, enquanto contempla o fumo do charuto: «Que me importa para onde vão estas consciências?»
Creio que derivei para aquilo que as pessoas do ofício chamam um aperitivo. Todavia, deixarei estas páginas - porque quero datar a minha cólera."


Charles Baudelaire, Fogachos , trad. João Costa, 2ª ed. Lisboa: Guimarães Editores, 1999, pp. 57-58

No comments: