Wednesday, February 22, 2012

QUARESMA NUMBER ONE



"Mas eu sou um texto vivo; valho mais que um folheto, que uma elucubração passageira; esse volume dentro de um ano será uma folha seca esquecida; dentro de dois anos, um montão sujo de papel e, moralmente, pó; na memória dos leitores que tiver nada... e eu ainda serei eu: um jovem, velho para a metafísica, mas vistoso, novo, sempre novo para o amor, que é um doce engano compatível com todos os nirvanas do mundo e com todas as obras pias.
A literatura era uma coisa estúpida; porque se fosse má era estúpida por si, e se fosse boa era néscio e inútil entregá-la ao vulgo que não pode compreendê-la. Aquela senhora, bonita e tudo, com os olhos pensadores e as sobrancelhas carregadas de ideias nobres e de poesia, seria, é claro, como são as outras mulheres no fundo; inteligente só no rosto, não na verdade, não por dentro. Se o livro fosse bom, caso pouco provável, não o compreenderia, e se fosse mau, para quê lê-lo?"


Leopoldo Alas (Clarín), "Rivais", in O Senhor e O Resto São Histórias, trad. José Colaço Barreiros, Lisboa: Teorema, s.d., p. 76.

No comments: