Saturday, June 23, 2012

APRISIONAR 2


"A verdade é que as férias na aldeia não lhe faziam bem. Dessa vez, pelo menos. Chegara na antevéspera, e vivia, desde que chegara, num humor acabrunhado, ocioso e cheio de pressentimentos. Cada manhã, debruçado na varanda onde uma parreira entrelaçava tortuosamente os braços, Pedro aspirava com o cheiro do moscatel o cheiro da sua própria pele, da roupa, que exalavam um odor doentio de corpo acamado e morno de suor. Sentia-se extraordinariamente cansado, vencido, ansioso por deixar aquela terra, a casa, as tias, e ir para algures, longe, talvez para uma praia triste onde pudesse olhar o mar duma janela aberta, e escrever um diário, com os pés nus enterrados na areia. A ideia de que seria bom aquele sentir da areia húmida na sua carne importunava-o às vezes como um apelo de longe, como um desejo um pouco mórbido de amplidão, de esquecimento e de fuga."
Agustina Bessa-Luís, Mundo Fechado, 2ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 2005, pp. 14-15.

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