Friday, July 11, 2014

OLHOS CHEIOS DE VERTIGEM


"vou de veneno em veneno
até à infância
com os olhos cheios de vertigem

os meus pés caminham diante de mim
até à escuridão que Deus habita
encontro os seus olhos diamantes
e sei que estão irremediavelmente perdido. 

Talvez este silêncio seja a morte
talvez esta braçada ampla e lenta
não se destine a colocar-me sobre
os ombros
o peso animal do Universo

oiço o sopro quente de um sorriso
não sei dissimular o meu pavor
a noite roça em mim a cabeleira
cheiro o seu nome luminoso e escuro. 

Fico imóvel na eternidade ou na memória
vendo os olhos de Deus como punhais
mansos punhais que abrem fundo
o silêncio
cresço na noite com o futuro aos ombros

cresço abraçado à promessa da faca
mas será a claridade a cortar-me
os pulsos

a claridade cava abismos na infância
esta obscura e tremenda
claridade"


Laureano Silveira, O lado negro do lado branco, Porto: Limiar, 1993, p. 44. 

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