Tuesday, May 12, 2015

PILHAR



"Velhas, homens. crianças, atravessavam as portas como uma rajada, saltavam pelas janelas, por cima dos valados, deixavam-se cair no terraço, cada um levando o que pudera pilhar: sertãs, panelas, colchões, coelhos... Alguns tinham tirado as portas e as janelas dos gonzos e carregavam-nas às costas. Até o próprio Mimintho levava os escarpins da morta, suspensos do pescoço por um cordel; dir-se-ia que Dona Hortênsia ia às cavalitas sobre os seus ombros, deixando ver somente os seus sapatos...
O professor franziu o sobrolho, repôs o tinteiro no cinto, dobrou a folha de papel imaculada, sem dizer palavra, e, com um ar de dignidade ofendida, atravessou a soleira e desapareceu. 
O pobre tio Anagnosti gritava, suplicava, brandia o cajado:
- É uma vergonha, é uma vergonha! A morte está a ver-vos!"


Nikos Kazantzaki, Zorba, o Grego, trad. Fernando Soares, Lisboa: Ulisseia, s.d., p. 266. 

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