Monday, July 18, 2011

MAS A MIM QUEM ME SUPORTA


"Crepúsculo.
Como desliza o campo
ao nosso encontro, a corrente larga,
planícies! Fria, fora de tempo,
a lua. Um golpe de asa agora.

Nas margens dos rios,
longe,
quando o amplo
céu os abraçava,
ouvimos cantar
na sombra das florestas. Um antepassado
procurava valas engolidas por ervas.

Coração de pássaro, leve, pedra
emplumada cavalgando o vento.
Caindo nas
névoas. As ervas e a terra
recolhem-te, um rasto
de morte no visco de um caracol.

Mas
a mim quem me suporta,
homem de olhos fechados,
boca perversa, com mãos
que nada seguram, que sequioso
segue o rio,
lançando na chuva
a respiração do outro tempo,
o que já não volta, o outro,
não nomeado, como nuvens,
um pássaro de asas abertas,
irado, contra o céu,
selvagem, contraluz."

Johannes Bobrowski, "Tempo da Sarmácia", in Como um respirar - antologia poética, trad. João Barrento, Lisboa: Cotovia, 1990, pp. 11, 13.

No comments: