Monday, November 7, 2011

OS BEM-AVENTURADOS


"Há pessoas que possuem tudo quanto há, mas ninguém acredita; ricos tão pobres e nobres tão ordinários que a incredulidade que suscitam acaba por os tornar tímidos e lhes dar uma atitude suspeita. Em certas mulheres, as mais belas pérolas parecem falsas. Em outras, ao contrário, as pérolas falsas parecem verdadeiras. Do mesmo modo, há homens que inspiram uma confiança cega e gozam de privilégios a que nunca poderiam pretender naturalmente. Guilherme Tomaz pertencia a essa raça bem-aventurada.
Acreditavam nele. Não precisava de tomar quaisquer precauções nem de fazer quaisquer cálculos. Uma estrela de mentira levava-o aos fins que almejava sem rodeios. Nunca arvorava, por isso, a máscara perturbada e perseguida dos malandros. Não sabendo nadar, nem patinar, era capaz de dizer: sei patinar e sei nadar. Todos os viam imediatamente a patinar e a nadar. Este condão é dado à nascença por uma fada especial. Há pessoas que conseguem triunfar, não tendo tido na hora do nascimento nenhuma fada, a não ser essa.
Nunca acontecia a Guilherme fazer o seu exame de consciência ou pensar: «Como poderei eu sair deste beco?», ou «Estou a fazer batota», ou «Sou um homem de génio». Vivia profundamente o seu próprio mito.
Quanto mais o vivia, melhor se incorpava, mais fogo lhe trazia, dando-lhe aquela franqueza que convence naturalmente."
Jean Cocteau, Tomaz, o Impostor, trad. António Quadros, Lisboa: Livros do Brasil, s.d., pp. 69-70.

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