Wednesday, January 11, 2012

TO AVOID

(Sé de Braga, Portugal)

"1. Não deverá haver mais romances em que um grupo de pessoas, isoladas pelas circunstâncias, voltem à «condição natural» do homem, se tornem criaturas essenciais, pobres, nuas. Tudo isso pode ser escrito num conto, o último do género, a rolha da garrafa. Vou escrevê-lo eu por vocês. Um grupo de viajantes vítima de um naufrágio ou de um desastre de avião está algures numa ilha. Um deles, um homem grande, poderoso, desagradável, tem uma arma. Obriga todos os outros a viver num buraco que eles próprios tiveram de cavar. De vez em quando tira um dos prisioneiros, mata-o com um tiro e come o cadáver. A comida sabe bem e ele engorda. Depois de matar e de comer o último prisioneiro, começa a preocupar-se com o que fará para arranjar comida; mas felizmente chega um hidroavião e salva-o. Ele conta ao mundo que foi o único a escapar do desastre e que sobreviveu alimentando-se de bagas, folhas e raízes. O mundo maravilha-se com a sua óptima condição física, e um cartaz com a sua fotografia é exposto nas montras das lojas de comida vegetariana. Nunca é descoberto.
Vê como é fácil escrever, como é divertido? É por isso que eu proibia o género."

Julian Barnes, O Papagaio de Flaubert, trad. Ana Maria Amador, Lisboa: Quetzal, 2010, p. 121.

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