Tuesday, July 31, 2018

AERONAUTA


"Agora podeis tratar-me 
como quiserdes: 
não sou feliz nem sou triste, 
humilde nem orgulhoso
- não sou terrestre. 

Agora sei que este corpo, 
insuficiente, em que assiste 
remota fala, 
mui docemente se perde
nos ares, como o segredo
que a vida exala. 

E seu destino é ir mais longe, 
tão longe, enfim, como a exacta
alma, por onde
se pode ser livre e isento, 
sem actos além do sonho, 
dono de nada, 

mas sem desejo e sem medo, 
e entre os acontecimentos
tão sossegado!
Agora podeis mirar-me
enquanto eu próprio me aguardo,
pois volto e chego, 

por muito que surpreendido
com os seus encontros na terra
seja o Aeronauta."


Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa: Relógio D'Água, 2002, p. 153. 

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