Sunday, June 28, 2020

ATROAR



"No entretanto o combate tornou-se temeroso. Era um verdadeiro assalto. Os populares, como não tinham escadas, subiam às costas uns dos outros, para entrar na casa pelas janelas. Os homens do senhor da Terra de Santa Maria defendiam porém valorosamente a entrada, fazendo chover sobre o inimigo uma nuvem de virotes e de pedras, e despenhando um sem número de valentes, que uns após os outros, e a despeito de toda a resistência, se empenhavam em entrar pelas janelas. Aquilo era uma confusão medonha, de tiros, de brados, de pragas e de blasfémias. Aos que caíam derribados, sucediam-se imediatamente outros, e daqueles mesmos, os que não ficavam de todo aleijados, aporfiavam de novo em subir. Ao mesmo tempo os besteiros e os espingardeiros populares faziam entrar pelas janelas dentro um chuveiro de setas e de balas, das quais a maior parte ricocheteava nos peitorais estufados das couraças, mas algumas também estendiam por terra aqueles em quem acertavam. Os homens de armas da Terra de Santa Maria correspondiam a este fogo com igual brio. O alarido crescia cada vez com mais horror, em razão dos gemidos dos feridos, dos brados dos velhos e dos prantos e gritos das mulheres. Os sinos tocavam pavorosamente e sem cessar a rebate, as trombetas tangiam por toda a parte, e os brados e alarido atroavam de todo o espaço. Aquilo afigurava um verdadeiro inferno."

Arnaldo Gama, A Última Dona de S. Nicolau, Porto: Livraria Tavares Martins, 1937, pp. 235-236.

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