Saturday, June 20, 2020

UMA PARCELA DO SABER AUGUSTO

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"Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados 
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!...

De que me vale a mim ser puro e justo, 
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto, 

Se a minh'alma há-de ver, entre si fitos, 
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa, 

Bem os sinto verter sobre o meu leito, 
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!"


Antero de Quental, Sonetos Completos, Porto: Lello & Irmão, 1983, p. 151. 

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