Thursday, November 20, 2008

FADIGA DE METÁFORAS



"Já me cansa, senhor, ter sido feito
metáfora ou provérbio de má sorte;
ser mera imagem pouco me aproveita
quando me alcança o bico predador,
e ainda à dor banal se me acrescenta
o sofrimento de não ser real.
É verdade que a morte se embaraça
na trança irregular da minha tela;
mas nem isso me traz grande vantagem
se o que sobra de mim é só o efeito
de uma ilusão nos olhos de quem passa
e se entretém a ver uma miragem.
Antes queria ter lugar à mesa
onde se senta a gente prazenteira,
comer o mesmo pão que a vida amassa,
e sem ardor simbólico nenhum
ouvir na voz comum uma ligeira
ária de amor ao fim da refeição.
Sombra de um verso, não sei como possa
ter bom sucesso neste meu projecto
de te fazer meu cúmplice leitor;
uma vírgula mais talvez mudasse
o sentido do mundo, mas duvido
que uma tão ténue pausa chegue ao teu ouvido.
Se o meu desgosto é ser, na grande Teia,
mensagem virtual ou sopro vago,
talvez me queiras tu dar o teu rosto,
e eu no teu corpo me transforme em alma."


António Franco Alexandre, Aracne, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, pp. 27-28.

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