Sunday, November 18, 2012

O FEITIÇO


"E nesta altura o Senhor de Bougrelon, que até então estivera calado:
- Não sentem como eu, senhores, o feitiço das modas antiquadas, o encanto doloroso das coisas antigas ainda vivas? Sim, porque estou a ver-vos empalidecidos por uma emoção poderosa, já que ela se mantém em silêncio. Ter-vos-ia enganado quando disse: preparem-se para o sofrimento? Perante as adoráveis mortas com uns quantos adornos que se impõem ao olhar, não sentem aqui a sua presença mais forte do que à frente do verniz ou do embaciado de um retrato? Ah! O sortilégio dos tecidos gastos, dos langores patrícios de todas as joalharias de seda e cetim!
«Se reina aqui uma atmosfera de igreja (porque não será um respeito de lugar santo aquilo que sentimos?) é por flutuar, palpável e invisível, a imperiosa alma de velhas aristocracias. Que graça autoritária, que altivez nas pregas destes vestidos, que elegância inata nestas anquinhas tufadas, que bela audácia no próprio ridículo destas cabeleiras! É toda uma sociedade desaparecida que eu aqui reencontro porque a conheci. Estou em minha casa, eu. Um camarim de Mortas, de facto, mas de mortas vivas porque sei as palavras que dão corpo a estes trapos, sei as palavras de amor e de carícia que reacendem aqui sorrisos e olhares; porque estas Mortas regressam, sim, estas Mortas regressam, senhores, porque eu as amo, e por saberem isso elas obedecem-me; só o amor ressuscita os mortos.»"
 
Jean Lorrain, O Senhor de Bougrelon, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: sistema solar, 2012, pp. 48-49.

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