Friday, November 9, 2012

HAVER DE SER TUDO TERRA


"Hontem pos-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade
para não tornar co tempo!

Todalas cousas, per tempo,
passam como dia e noute.
Uma só, minha vontade,
nam, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto ha sol,
nela em quanto nam ha dia.

Mal quero per um só dia
a todo o outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaxo minha vontade.

Dentro na minha vontade
nam ha momento do dia
que nem seja tudo terra:
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute.
No milhor pôs-se-me o sol!

Primeiro nam haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pôs-se-me hua escura noute
sobre a lembrança de um dia,
inda mal, porque houve tempo
e porque tudo foi terra.

Haver de ser tudo terra
quanto ha debaxo do sol
me descança, porque o tempo
me vingará da vontade,
se nam que antes deste dia
ha de passar tanta noute!"
Bernardim Ribeiro, Obras Completas, vol. II- Éclogas, 3ª ed., Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1982, pp. 182-183.

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