Tuesday, March 19, 2013

CANORA



"Toda a poesia, dizem, constitui um acto repulsivo.
Sobretudo para os que abandonaram o conforto
da alma para se sentar, nova teoria de celibatários,
face a um ponche frio. Ouvirão ainda a música?
E contudo, a chama que se apaga no seu interior
é sempre minúscula. Para outros, o problema
parece residir mais no físico - no princípio
de corrosão que depressa nos castiga.
Compreende-se assim o cansaço com que
os homens encaram o soalho e a candura
com que o aplainam, sempre à espera
de que no espelho se defina um nódulo
do ser mais escuro. Sobre a mobília
resta apenas uma memória de música.
Ruína consentida de que, na sombra,
o Sol se conjuga. Porque é na falta
de ideias que o fascínio da poesia
no que tem de mais certo em nós perdura."
  Fernando Guerreiro, Teoria da Revolução, Braga: Angelus Novus, 2000, p. 30.

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