Tuesday, October 15, 2013

O CASTANHEIRO DO GÓLGOTA (PARA MARIA AGUSTINA)



"Os povos mais antigos tiveram as suas tradições sangrentas. Sacrificavam pessoas e bichos porque se tratava de oferecer aos deuses o que tinham de mais precioso. Mas nas árvores não tocavam. Elas eram consideradas um elo entre os homens e os deuses e serviam de intermediário nas ocasiões de desastre e de angústia. Anda há pouco tempo havia indígenas na Venezuela que falavam com as árvores, o que não é estranho mas só misterioso para os nossos sentidos empobrecidos pela razão. Perdemos, sem dúvida, muitas dessas faculdades naturais e o mundo atingiu por isso uma saturação da sua sobrevivência. Pergunto às vezes ao castanheiro do Gólgota se ele vai durar para além da agressão ao ambiente, mas, como não entendo a linguagem das árvores, fico sem resposta. Conheço, é verdade, certos princípios do esoterismo antigo, como o que diz que Deus é inacessível à nossa razão mas não ao nosso amor. Todos os objectos contêm um sentido para além das aparências. Talvez seja preciso que o deserto volte para criar homens fortes e sublimes. Nesse caso a natureza, na sua aparência doce e protectora, desaparecerá para dar lugar à radical insegurança do deserto, onde a liberdade pessoal consiste nos nossos queixumes e nas nossas preces. O castanheiro do Gólgota pertence à sociedade da honra, a menos má das sociedades imperfeitas. Respira nobreza e abundância, talvez não por muito tempo. Mas a criação não é obra do tempo. É fruto da acção dos homens e do espírito que sopra onde quer."

Agustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia, 2ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 2000, p. 365. 

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