Saturday, March 13, 2010

AS BASES DA PENUMBRA



"Ora os cavalos de Aquiles, afastados do combate, estavam
a chorar desde o momento em que primeiro ouviram
que seu cocheiro tombara na poalha, chacinado por Heitor.
Com efeito Autodemonte, o valoroso filho de Diores,
muitos golpes lhes inflingiu com o célere chicote,
muitas vezes lhes falou com palavras suaves, muitas vezes
com ameaças; mas eles recusavam-se tanto a regressar para as naus
no amplo Helesponto como para a luta no meio dos Aqueus.
Tal como fica imóvel uma coluna sobre o túmulo
de um homem morto ou de uma mulher -
assim imóveis permaneciam como o carro lindíssimo,
vergando as cabeças até ao chão. Das suas pálpebras
escorriam lágrimas candentes até ao chão ao chorarem
com saudades do seu cocheiro. Sujavam-se as suas crinas fartas,
que caíam debaixo da coleira de ambos os lados do jugo.
Ao vê-los se compadeceu deles o Crónida
e abanando a cabeça assim disse ao seu coração:
"Ah, coitados, por que razão vos demos ao soberano Peleu,
um homem mortal? E vós que sois isentos de velhice e imortais.
Foi para que entre os homens desgraçados sentísseis a dor?
Pois na verdade nada há de mais miserável que o homem
de todos os seres vivos que vivem e rastejam em cima da terra."


Homero, Ilíada, XVII, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Cotovia/Biblioteca editores Independentes, vrs 426-447, pp. 357-358.

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