Tuesday, May 11, 2010

POESIA E PASSARINHOS FEIOS


"Tenho pelos meus poemas
a ternura que a coruja tinha pelos filhos
mas não tenho a sua cegueira
porque sei que Diderot acha os meus poemas maus
a coruja disse à águia
podes comer os passarinhos que quiseres
mas não comas os meus filhos
os meus filhos são os passarinhos mais bonitos
que encontrares na floresta
a águia comeu os filhos da coruja
comi os teus filhos porque eram feios
disse a águia à coruja
as comparações são muito perigosas
(como os diamantes)
certas comparações valem fortunas
não vejo o que possa ser comer poemas
talvez fazer contas ou hieróglifos obscenos
nos papéis onde estão os meus poemas
não vejo quem possa ser a águia
Diderot não é a águia
mas uma pessoa neste momento
pode estar a fazer contas e hieróglifos obscenos
num dos meus poemas
não vejo uma águia a fazer contas e hieróglifos
obscenos
nos filhos de uma coruja
talvez Walt Disney visse"


Adília Lopes, O Poeta de Pondichéry seguido de Maria Cristina Martins, Braga/Coimbra: Angelus Novus, 1998, p. 16.

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