Wednesday, July 14, 2010

LEVIATAÇÃO



"De facto - é agora o momento de o dizer -, com excepção do assassínio, há apenas um traço que só os libertinos possuem e nunca partilham, seja de que forma for: é a palavra. O senhor é aquele que fala, que dispõe completamente da linguagem; o objecto é aquele que se cala, permanece separado, por uma mutilação - mais absoluta do que todos os suplícios eróticos - de todo o acesso ao discurso, pois nem sequer tem o direito de receber a palavra do senhor (as arengas dirigem-se apenas a Juliette e a Justine, vítima ambígua, detentora de uma palavra narrativa). É certo que há vítimas - muito raras - que podem discutir a sua sorte, acusar o libertino de toda a sua infâmia (M. de Cloris, Mlle. Fontange de Donis, Justine); mas não passam de vozes mecânicas, têm apenas um papel de cúmplices no desbragamento da palavra libertina. Só esta palavra é livre, inventada, confundindo-se inteiramente com a energia do vício. Na cidade sadiana a palavra será, talvez, o único privilégio de casta verdadeiramente irredutível."

Roland Barthes, Sade, Fourier, Loiola, trad. Maria de Santa Cruz, Lisboa: Ed. 70, 1999, p. 35.

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