Tuesday, June 21, 2011

A CAÇA


"Quem observar os movimentos de um fotógrafo munido de aparelho (ou de aparelho munido de fotógrafo) estará a observar um movimento de caça. O antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que persegue a caça na tundra, com a diferença de que o fotógrafo não se movimenta na pradaria aberta, mas na floresta densa da cultura. O seu gesto é, pois, estruturado por essa taiga artificial, qualquer fenomenologia do gesto fotográfico deve levar em consideração os obstáculos contra os quais o gesto choca: reconstituir a condição cultural do gesto.
A selva consiste em objectos culturais, portanto objectos que têm intenções determinadas. Estes objectos intencionalmente produzidos vedam ao fotógrafo a visão da caça. E cada fotógrafo é vedado à sua maneira. Os caminhos tortuosos do fotógrafo visam driblar as intenções escondidas nos objectos. Ao fotografar, avança contra as intenções da sua cultura. Por isso, fotografar é um gesto diferente, conforme ocorra na selva de uma cidade ocidental ou de uma cidade subdesenvolvida, numa sala de estar ou num campo cultivado. Decifrar fotografias implicaria, entre outras coisas, o deciframento das condições culturais dribladas."
Vilém Flusser, Ensaio Sobre a Fotografia, trad. Arlindo Machado, Lisboa: Relógio D'Água, 1998, p. 49.

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