Tuesday, June 14, 2011

MORRER DE VIDA


"Estais mortos.
Que estanha maneira de estar mortos. Quem quer que seja diria que não o estais. Mas, na verdade, estais mortos.

Flutuais nadamente por trás dessa membrana que, pêndulo do zénite ao nadir, vem e vai de crepúsculo a crepúsculo, vibrando diante da sonora caixa de uma ferida que não vos dói. Digo-vos, pois, que a vida está no espelho, e que sois o original, a morte.

Enquanto a onda vai, enquanto a onda vem, quão impunemente se está morto. Só quando as águas se quebram, nas margens enfrentadas e se dobram e dobram, então transfigurais-vos e, julgando morrer, descobris a sexta corda que já não é vossa.

Estais mortos, não tendo nunca antes vivido. Quem quer que seja diria que, não sendo agora, fostes em outro tempo. Mas, em verdade, vós sois os cadáveres de uma vida que nunca foi. Triste destino. O não ter sido senão morto sempre. O ser folha seca sem ter sido verde jamais. Orfandade de orfandades.

E contudo, os mortos não são, não podem ser cadáveres de uma vida que ainda não viveram. Morreram sempre de vida.

Estais mortos."
César Vallejo, Antologia Poética, trad. José Bento, 2ª ed. aumentada, Lisboa: Relógio D'Água, 1992, p. 70.

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